Recorde aqui um excerto da entrevista a Rui Rio, publicada na VISÃO a 12 de agosto de 2004, altura em que Pedro Santana Lopes era primeiro-ministro e presidente do PSD e Rui Rio era seu primeiro vice-presidente.
“Só posso dizer bem de Santana”
Mesmo reconhecendo diferenças de estilo, Rui Rio defende o primeiro-ministro com unhas e dentes. E já faz razoáveis distinções entre este e o anterior Governo
Dois quadros de Armando Alves dão outra cor, outra luz, ao interior da Casa do Roseiral, em pleno Palácio de Cristal. Lá fora como cá dentro, um ar manso, sereno. Rui Rio, porém, chega esbaforido, zangado com algumas notícias daquela manhã. Mas logo recupera a boa dispo-sição. Durante a entrevista há-de mexer-se algumas vezes no sofá, rir-se amiúde, enervar-se. Com a frontalidade de sempre. Interromperá a conversa para almoçar com Siza Vieira, Souto Moura, Artur Santos Silva e Miguel Veiga. Assunto tabu, «conversa de amigos». Após o repasto, o retomar do fio à meada. Com a postura de quem nada teme, mas sente, talvez como nunca, os olhares sobre si próprio.
VISÃO: «A descredibilização da política resulta da permanente subordinação da política à lógica mediática.» Sabe quem escreveu isto?
RUI RIO: Devo ter sido eu. E mais do que uma vez!
Pois foi. Acha que a frase se aplica a Santana Lopes?
O que escrevi é verdade, cada dia é mais evidente. A lógica mediática entra em ab-soluto confronto com a política séria e o interesse público. Disse a Santana Lopes e nos órgãos do partido que o estilo dele é muito diferente do meu. Mas tinha de conjugar a vontade maioritária do PSD, inequivocamente favorável a Santana, e o interesse nacional. Ora, o facto de ser muito diferente de Santana não me obriga a discordar dele. Este Governo e o primeiro-ministro merecem uma avaliação justa. E não merecem o que a maior parte da Comunicação Social está a fazer. Ainda o programa de Governo não estava aprovado e já as críticas eram mais que muitas. Os governos não devem ser criticados pelo que fazem ou não fazem?
As críticas tiveram em conta a personalidade e o percurso de Santana Lopes, não acha?
Pois, mas nunca ninguém foi primeiro-ministro antes de o ser.
Os cargos mudam assim tanto as pessoas?
Os cargos não mudam as pessoas em absoluto, mas quando são capazes, inteligentes e experientes podem ser diferentes no exercício de determinados cargos. O meu estilo não tem o exclusivo da competência e do sucesso. Santana pode ser um bom primeiro-ministro. E os primeiros passos que deu em relação a coisas concretas são claramente positivos. É por isso que condeno e me entristece o que tem sido dito sobre ele.
Ou seja, na sua opinião, Santana Lopes, afinal, tem mais consistência do que aparenta?
Exactamente. Tem mais consistência do que a imagem que têm dele. Muitas vezes consegue-se chegar aos mesmos objectivos por estilos diferentes. Santana tem muitos méritos e não fez nada para que isto acontecesse.
O seu apoio é, portanto, sem reservas mentais?
Claro! E quando tiver de discordar, ele será o primeiro a saber.
Ele não está distante da matriz social-democrata?
Vamos ver se isso é assim na prática. A acção pode vir a dizer outra coisa. Sei o seguinte: Santana tem agido comigo com seriedade, lealdade e frontalidade. Só tenho a dizer bem.
É óbvio que, se utilizar uma régua, admito estar mais à esquerda do que ele. Mas isso que quer dizer hoje em dia? Eu, enquanto presidente da Câmara do Porto e líder de uma coligação de direita, tenho preocupações sociais e uma actuação mais à esquerda do que o próprio PS. A esquerda foi quem mais me contestou! Na acção política, os valores tradicionais da esquerda são, a maior parte das vezes, garantidos pela direita.
E acredita que Santana Lopes pode fazer isso?
Ele preocupa-se e sofre quando vê o sofrimento dos outros. E não é de hoje. É razoavelmente emotivo, Durão era mais racional. É possível que tenha uma sensibilidade social que muitos militantes do PS e do BE já não têm. Em muitos aspectos, o PS e o BE têm hoje posições próximas daquilo que a direita tradicional defende. A alteração da lei do arrendamento, é um bom exemplo: visa dar condições de habitação à classe média baixa e à classe baixa. Ao ter coragem para resolver isto, Santana está a mover a sua acção em prol das pessoas mais desfavorecidas. Uma reforma deste tipo, a dois anos de eleições, É o menos popularucho que pode haver. Não julgo os governantes pelo estilo, julgo pelas acções.
Disse a Santana Lopes que achava muito difícil ele conseguir formar um governo credível. Enganou-se?
O que eu disse é que as circunstâncias tornavam ainda mais importante a formação do Governo. Este não é o meu Governo, aquele que escolheria, mas eu nunca fui primeiro-ministro, não é? Este Governo tem condições para funcionar. Não vou referir nomes, mas já tive de tratar de coisas importantes com um secretário de Estado e um ministro. E a verdade é esta: são muito melhores do que os homólogos do anterior Governo. O ritmo com que os novos agarraram os problemas é diferente. Dirão: «É porque estão a começar.» Veremos.
O abandono de funções a meio dos mandatos não descredibiliza a política?
Antes de mais, a decisão de Jorge Sampaio credibilizou a democracia e foi uma atitude contrária ao populismo. Mas sei que as caras, as pessoas, estão muito mediatizadas em detrimento das ideias e projectos. Eu próprio, a dada altura, entendi dizer publicamente que ficava na Câmara antes que os portuenses pudessem ter dúvidas. De facto, é importante fazer essa distinção porque há uma certa cultura das pessoas saírem. É cada vez mais desgastante exercer cargos de grande visibilidade pública. Não é sequer reconfortante em termos materiais, ganha-se mais fora da política. Por princípio, é mau sair a meio de um mandato. Mas temos de analisar caso a caso. No caso de Santana, era-lhe mais confortável ficar na Câmara de Lisboa. No caso da decisão de Durão, é mais subjectivo. A decisão de Santana foi bem aceite nas populações, a de Durão divide mais as opiniões.