Inês David Bastos e Raquel Lito passaram meses a investigar a vida do juiz mais conhecido e mais criticado do país e contam agora tudo naquela que é a primeira biografia de Carlos Alexandre – “Carlos Alexandre, o Juiz” -, editada pela Planeta e apresentada ao público na passada quarta-feira. Falar do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal que mandou José Sócrates para prisão preventiva, interrogou Ricardo Salgado, Isaltino Morais ou Armando Vara, tornava obrigatório não esquecer uma das características que o distingue e que quem o conhece nunca esquece: o seu vocabulário, que os amigos sabem de cor e tantas vezes introduz em jeito de aparte ou “nota de rodapé” enquanto conduz os interrogatórios mais mediáticos. “Tão palavroso como um dicionário”, descrevem as autoras.
Ainda não sabe quem são o Cidadão Mamede ou o Profeta Daniel? O livro que faz o retrato da vida de Carlos Alexandre – cruzando consultas de processos com conversas com amigos de infância, colegas de escola, amigos da terra, advogados e procuradores – deixa-lhe o guia para não ficar à “nora” se um dia tiver de estabelecer um diálogo com o juiz que adora descrever-se como “o saloio de Mação”.
Alexandre – Assina de forma abreviada os despachos sempre pelo último apelido e com uma caligrafia cuidada. Desta forma evita as rubricas imperceptíveis de traços ou rabiscos e cria uma marca distintiva.
Altar – Local onde se senta no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), aquando da fase instrutória. A expressão teve origem num episódio da fase em que foi juiz auxiliar no Tribunal de Vila Franca de Xira, entre 1989 e 1993. Perante o presidente do colectivo de juízes, uma advogada disse‑lhes que iria «resgatar o cidadão do tribunal» e dirigiu‑se a eles nestes termos: «Vós que estais aí no vosso altar…» Carlos Alexandre, à época «asa» (auxiliar) nos julgamentos colectivos que integram três juízes, adoptou a palavra e passou a usá‑la em tom de brincadeira.
Central – Forma como o próprio se refere ao TCIC, onde trabalha há 13 anos.
Cidadão – Termo dirigido aos arguidos e testemunhas quando quer criar distância; usa‑o desde os tempos do tribunal de Vila Franca de Xira em 1989.
Cidadão Mamede – Pedro Passos Coelho (é o primeiro apelido do antigo chefe do Governo do PSD).
Comboio automático para a inércia – Colegas que querem vê‑lo na prateleira.
Continue, continue que eu gosto de ouvir histórias – Comentário que dirigiu a um interrogado em 2014, quando não acreditou na sua versão e que continuou a fazer regularmente desde então.
Desmantelar este lamaçal – Investigação às relações perigosas entre traficantes e inspectores da Polícia Judiciária, no âmbito da Operação Aquiles, iniciada em Setembro de 2013.
Eles andam aí – Optimista com o decorrer das investigações.
Engenheiro Pinto de Sousa – Como se refere a José Sócrates, a quem aplicou a medida de coação máxima, prisão preventiva, a 24 de Novembro de 2014, no âmbito do processo Operação Marquês.
Estou a ser escrutinado pelas autoridades adequadas – Resposta evasiva, para não referir nomes, quando questionado sobre se é perseguido no Alandroal (terra natal da mulher). Em tempos, teve conhecimento de que andaram pela vila do Alentejo a perguntar onde tinha casas.
Faço telefonemas por hieróglifos – Linguagem indecifrável que usa nas breves conversas com os amigos confidentes, porque tem fortes suspeitas de estar a ser escutado. Usou esta expressão durante uma inspecção do Conselho Superior de Magistratura.
Fogo à peça – Quando termina um processo.
Formalidades de embarque – Burocracias para a condução de arguidos para a prisão.
Isso para mim é água destilada – Irritado quando acha que estão a tentar enganá‑lo nos interrogatórios.
Lucubrações da minha cabeça – Conjecturas e associações que faz sobre a forma como determinadas pessoas, que não quer nomear, subiram ao poder.
Não há heroísmos na carteira – Como se justifica aos amigos sobre o apego às finanças.
Não me dou com a corte – Distância que quer manter em relação aos colegas; diz que não tem relações próximas com as instâncias superiores de judicatura e decisores políticos.
Não sei comer de faca e garfo, nem estou habituado a comer certos pratos – Para reforçar a sua autonomia a nível profissional.
Nervos de aço, algodão nos ouvidos e sangue de lagarto – Recomendação que lhe fizeram para conseguir enfrentar as vicissitudes profissionais.
O sapateiro não deve ir além da chinela – Não quer sair da magistratura para outras áreas, quando questionado sobre se mais tarde pondera enveredar pela política.
Palácio da Praia – Sede do PS, que pertenceu aos marqueses da Praia e Monforte.
Perene juiz de província – Forma de se referir a si próprio e às suas origens humildes.
Porque ela move‑se – Ainda que não consiga provar, porque alguém terá feito manobras de bastidores, tem fortes indícios de que há crime. Inspira‑se na célebre expressão do latim Eppur si muove, atribuída a Galileu, depois de ter negado a sua teoria de que a Terra gira à volta do Sol, para evitar a condenação à morte pela Inquisição.
Profeta Daniel – Advogado Daniel Proença de Carvalho, que, por sua vez, se refere a ele como o «superjuiz dos tablóides».
Refeiçoar – Alusão aos almoços que entretanto deixou de fazer com os amigos, sobretudo em restaurantes de Moscavide, por suspeitas de estar a ser espiado.
Saloio de Mação – Como se auto‑intitula, repetindo a alcunha que ouviu de um agente infiltrado quando se referia a ele.
Senhor conselheiro de Estado Lopes Soares – Como passou a referir‑se a Mário Soares, desde que o histórico socialista se insurgiu contra ele («O juiz Carlos Alexandre que se cuide…»), numa crónica publicada no Diário de Notícias, a 3 de Fevereiro de 2015.
Tenho baixa tolerância para os comportamentos borderline de alguns escritórios – Recado dirigido à actuação das instituições financeiras.
Tomei boa nota – Apreendeu a mensagem que quiseram transmitir‑lhe.
Vá lá à sua vida – Muito apreensivo em relação à versão que lhe relatam.
Venerandos e veneráveis – Conselheiros e juízes desembargadores.