O ex-agente de futebolistas José Veiga tinha sido detido há umas horas no âmbito do processo “Rota do Atlântico” quando contou ao juiz Carlos Alexandre que desde que se começara a espalhar a mensagem de que estava a fazer negócios lucrativos no Congo Brazaville não parava de receber contactos de interessados em fazer negócios em África. Um deles, descobriu a investigação através das vigilâncias e das escutas telefónicas ao empresário, terá chegado por intermédio de Alexandre Albuquerque, advogado da Albuquerque & Associados, que esteve ligado em Portugal ao negócios das viaturas blindadas Pandur.
O Ministério Público abriu uma investigação em 2011 à compra dos blindados Pandur. A compra foi adjudicada por Paulo Portas a 6 de dezembro de 2004, seis após se saber da demissão do Governo.
Desta vez, contou José Veiga em fevereiro de 2016, Alexandre Albuquerque queria saber se havia alguma possibilidade de a General Dynamics fazer negócios no Congo através da montagem ou do fornecimento de outras viaturas blindadas sobre rodas, os piranhas.
Alexandre Albuquerque quereria que Veiga conseguisse pelo menos uma carta de manifestação de interesse por parte do governo congolês para que fossem apresentar a proposta. Veiga iria dizendo que naquele momento era difícil dada à proximidade das eleições no Congo Brazaville. Durante as buscas, foi encontrado um papel escrito que colocava uma referência a “8%” em frente a General Dynamics. O juiz Carlos Alexandre quis saber se era uma comissão. José Veiga garantiu que não, que isso seria impossível porque nada estava ainda previsto ou montado.
Contactado pela VISÃO, o advogado Alexandre de Albuquerque confirmou contactos com José Veiga para “a discussão de vários projetos de investimento no Congo, incluindo a possibilidade de montagem de viaturas blindadas de rodas”. Este último projeto decorreria “no âmbito de várias hipóteses de investimento que a empresa” estava a ponderar, “através dos seus representantes, realizar na região”.
O advogado diz, no entanto, nunca ter tido qualquer resposta do governo do Congo Brazaville nem qualquer contacto com alguém daquele país. Explica que as conversas sobre esses projetos de investimento “nunca passaram das suas fases preliminares, nunca se tendo concretizado qualquer um, nem sequer se tendo entrado na discussão de detalhes ou dos termos concretos dos mesmos”, nem sido discutidos “valores concretos dos investimentos” ou a remuneração a pagar aos respetivos intervenientes”. “Relativamente a tais projetos, o sr. José Veiga informou que poderiam eventualmente ter interesse, mas nunca passaram dessa fase embrionária”, diz Alexandre de Albuquerque.
As ajudas do administrador do BES de Cabo Verde
As horas e horas de registos telefónicos registados no processo – em que José Veiga é suspeito de corrupção ativa no comércio internacional, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e tráfico de influência – levaram o Ministério Público a não ter dúvidas de que um administrador do Banco Espírito Santo de Cabo Verde cometeu falhas graves ao divulgar informação privilegiada a José Veiga, quando o ex-dirigente desportivo representava uma entidade compradora daquele banco (a Norwich). Com a agravante de António Duarte, esse administrador que então chefiava a instituição bancária, ser considerado funcionário público por o banco ter sido intervencionado.
António Duarte terá passado informações sobre as mais-valias e as menos valias do banco a José Veiga antes de o Novo Banco aprovar a venda da filial de Cabo Verde ao grupo liderado por Veiga, no dia do negócio e após o negócio. Além disso, para o Ministério Público António Duarte seria encarado por Veiga como uma pessoa indispensável para resolver potenciais problemas com o Banco Central de Cabo Verde. Para a investigação, Veiga tinha-o indagado sobre quanto ganhava e tinha-lhe prometido mais “uma pinguinha” para ter a sua colaboração. Mas durante o interrogatório Veiga declinou: não admitia ser “chantageado” quando era o “otário” que estava a pôr o dinheiro, António Duarte é que queria ficar em Cabo Verde porque lá ganhava mais e fazia “o que queria” e só o sondou sobre o seu salário porque durante o processo de compra prometera que o banco manteria todos os funcionários. A investigação tinha informações de que António Duarte pedia 1,5 milhões de euros a José Veiga para compensar o que iria perder com o fundo de pensões.
O contrato de compra do BES de Cabo Verde pela Norwich acabou por ser anulado, porque o Banco de Portugal e o Banco Central de Cabo Verde se opuseram ao negócio. Veiga chegou a transferir o sinal da compra (conseguida por 13,75 milhões de euros) – mas esse dinheiro não chegou a entrar nas contas do Novo Banco. Ficou “congelado” na mesma altura em que foi detido para interrogatório. No final desse acto processual, o empresário ficou em prisão preventiva. Neste momento, aguarda o desenrolar do processo em liberdade.
O Ministério Público reuniu indícios de que para conseguir comprar o BES de Cabo Verde e ultrapassar outros potenciais compradores, José Veiga terá feito tráfico de influência junto do ex-ministro Miguel Relvas e terá também, através de intermediários, tentado obter informações do ex-secretário de Estado Sérgio Monteiro, contratado pelo Fundo de Resolução para liderar a venda do Novo Banco. Como a VISÃO revelou há duas semanas na edição em papel, no início do processo, quando Veiga ainda pensava criar um banco com o Banco Carregosa, o empresário também contou com a ajuda do ex-primeiro ministro Pedro Santana Lopes (actual provedor da Santa Casa da Misericórdia e irmão de Paulo Santana Lopes, outro dos arguidos do processo Rota do Atântico). Mais tarde Veiga também se terá reunido com José Maria Ricciardi, o primo de Ricardo Salgado que então liderava o Haitong Bank.