A “aula-debate” estava marcada para as 11, no auditório da Escola Secundária Pedro Nunes, em Lisboa. Mas às hora marcada já Macelo Nuno, o antigo aluno do “Liceu” que chegou ao volante do seu carro pessoal, já tinha ido ao bar beber um sumo e tirado umas boas dezenas de “marselfies”. Às 11, subia ao antigo ginásio, transformado em auditório, para uma conversa sobre a vida. “Estavam lá umas 700 pessoas”, contou mais tarde à VISÃO. “As filas tinham 20 lugares, contei, e deviam ser umas 20 filas. Dá 400. Mais as bancadas lá atrás, 200, dá 600. E depois os que estavam à volta… deviam ser uns 700, entre alunos e professores” a ouvir o diretor falar de Marcelo Nuno, “um excelente aluno”, que “recebeu vários prémios” e que “em 1965, se não me engano, foi o melhor aluno do País”. Marcelo, na primeira fila, não corava nem inchava. O Presidente só se transfigurou quando, depois de um momento musical, se levantou e começou a falar.
Falou pouco mais de duas horas e teria falado mais, não tivesse outro compromisso a seguir. Contou como, em miúdo, adorava “quando vinha alguém” à escola e era como se fosse “folga”. Explicou que começava ali a comemoração do seu primeiro aniversário como Presidente da República porque fora ali que mais tempo passara, na escola, numa época que o marcara para a vida. Regressou ao passado, explicando aos alunos (quase todos nascidos já no século XXI) como era o Portugal dos anos 60, um “país pobre, em que 80% das pessoas não sabia escrever”, com uma mortalidade infantil “das piores da Europa”, em que a escolaridade obrigatória não passava da quarta classe. “Era outro País”, com um “poder político autoritário”, sem “associações de estudantes e de professores” porque era proibido, em que as “atividades eram controladas, só havia um partido e outro, “clandestino, o PCP, que distribuía o seu jornal, o Avante, em ‘papel Bíblia’, nas casas de banho”.
A televisão tinha acabado de aparecer nas casas portugueses, mas – que ironia – o mais mediático dos Presidentes (e, antes de chegar a Belém, dos comentadores) confessa não ter sido marcado por ela. A sua vida foi antes “feita a ler livros e revistas”, a grande maioria franceses. Contou como percorreu o futebol, o hóquei, o basquetebol e o andebol sem ter sido “excecional em nenhum”. Especializou-se mais no pingue-pongue e no snooker do Jardim Cinema, do outro lado da rua, , como as gerações que se lhe seguiram.
Foi ali que começou a ir ao Casal Ventoso dar apoio escolar e comida às crianças mais desfavorecidas e a dar os primeiros passos na contestação à autoridade (“característica dos adolescentes”). Apanhou uns anos de Liceu “só para rapazes” e teve a sorte (que só duas turmas tiveram) de assistir ao regresso das raparigas que o iniciaram nos namoros. Falou das dúvidas sobre se devia seguir Matemática Pura (era muito bom a ciências e gostava) ou Direito (área em que era melhor, mas gostava um pouco menos). Seguiu Direito, o curso que o pai queria ter tirado e não conseguiu, por imposição familiar. Hoje lamenta. Teria dado um “ótimo médico” – palavra de hipocondríaco. Aconselhou, portanto, os alunos, a seguirem a sua vocação, mais do que o curso, e a pensarem “o que me realiza, onde me sinto melhor?”
Depois, deu a voz aos alunos. Pareceram-lhe 50, mas na verdade foram só 24 perguntas, sobre as mais diferentes temáticas. Esclareceu que, ao contrário do que tem dito Eduardo Barroso (o sobrinho de Maria Barroso e Mário Soares, que é seu amigo de infância), nunca pensou ser Presidente – “é um mito”. Em vários momentos, foi um “político ocasional” (no Parlamento, durante a Constituinte, no governo ou como líder do PSD) e que só foi Presidente porque o seu neto Francisco lhe disse, há um ano e meio, que “não há ninguém melhor que o avô, neste momento” e que era uma pena “não experimentar”. Via chegar “um governo à esquerda” e o País a ficar “desequilibrado”. Faria sentido ter “um Presidente de direita mais próximo da esquerda”, como ele.
Enquanto ia lembrando “que tenho a CAIS à espera em Belém…”, continuava a responder aos alunos. Falou de como “Portugal é um País excelente”, com uma grande identidade, antigo, unido, que chegou muito cedo a muitos países. “Falamos muitas línguas, adaptamo-nos”, tudo razões que contribuíram para a chegada do seu amigo António Guterres a primeira figura da ONU. Falou das saudades de dar aulas, como hoje os jovens são mais dispersos, têm mais dificuldade em se concentrarem, como deixava que copiassem dos seus pontos e ia sendo apanhado duas vezes. Garantiu que nunca se autoavalia, porque é mais crítico consigo e com as pessoas mais próximas (esteve perto de estragar a média de um dos seus irmãos – “por ser Rebelo de Sousa, vou tirar-lhe um valor”) do que com os outros, falou de livros (Malraux, Joyce e Tolstoi) e até explicou a um filho de Paulo Núncio (sem saber que o rapaz era filho do ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no governo de Passos Coelho) porque é que tinha dito que o défice deste ano tinha sido mérito deste governo.
Aproveitou a deixa da 24ª pergunta – “que pergunta gostaria de nos fazer?” para se despedir e prometer voltar “em breve”. Ficou mais um bom bocado, a tirar mais umas quantas “marselfies”.
Em Belém, a CAIS esperava por ele…