No dia 5 de Janeiro, depois de uma interrupção para almoço, o homem que era uma espécie de ponta-de-lança dos negócios do Grupo Espírito Santo (GES) em África voltava às instalações do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), na Gomes Freire, em Lisboa. O procurador Rosário Teixeira tinha muitas mais dúvidas a esclarecer junto de Hélder Bataglia e começou logo por esta: que relação tinha com Michel Canals, o principal gestor de contas da Akoya (a empresa suíça de gestão de fortunas que está no centro do processo Monte Branco), e como funcionavam as sociedades offshore que tinham sido usadas para fazer circular 12 milhões de euros entre o Grupo Espírito Santo (GES) e Carlos Santos Silva, o empresário e amigo suspeito de ser o testa-de-ferro de José Sócrates?
Hélder Bataglia – que se voluntariou a prestar declarações em Lisboa, na condição de não ficar privado da liberdade – explicou então, ao que a VISÃO apurou, que “as sociedades instrumentais” que utilizava seriam “constituídas através do escritório da Dra. Ana Bruno”, para depois serem abertas contas em nome dessas mesmas sociedades. No entanto, apressou-se a frisar Bataglia, a advogada com escritório nas Amoreiras não teria “poderes de movimentação dessas contas”. Acontece que a investigação liderada por Rosário Teixeira teria uma informação diferente. Confrontado pelo procurador com uma instrução de uma movimentação financeira que está no circuito da Operação Marquês e que estaria assinada pela advogada Ana Bruno, Hélder Bataglia improvisou, dizendo que “seguramente” essa transacção teria sido confirmada por si ou a seu pedido.
A advogada com um escritório com o seu nome, localizado na Torre 3 das Amoreiras, em Lisboa, era praticamente desconhecida dos portugueses até ser referenciada na Operação Monte Branco. Foi para si, como avançou a VISÃO à data, que Michel Canals ligou quando foi detido em Portugal. O escritório de Ana Oliveira Bruno só seria alvo de buscas nesse processo a 23 de Julho de 2014, mais de dois anos depois da detenção para interrogatório de Canals e outros gestores da Akoya. Mas há muito tempo que tinha entrado no radar dos investigadores e que tinha todos os telefonemas sob escuta.
Afinal era sócia minoritária da Akoya (empresa de que Hélder Bataglia também era sócio, juntamente com Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BES Angola) e também cliente daquela empresa de gestão de fortunas, através de pelo menos uma entidade, a Carmine. De acordo com um interrogatório a Canals divulgado pela revista Sábado, essa empresa receberia “honorários de serviços prestados em Angola além de pagamentos directos de outras contas na Suíça, designadamente de Álvaro Sobrinho”. Ana Bruno era identificada pelo gestor de contas Michel Canals como sendo procuradora de Sobrinho em várias empresas: do seu escritório terão chegado várias instruções para entregas em dinheiro vivo destinadas ao ex-presidente do BES Angola ou aos seus familiares.
A advogada teria ainda estado ligada ao contrato-promessa de compra e venda da Escom (a empresa era maioritariamente do GES mas tinha uma participação de 33% de Hélder Bataglia) à petrolífera angolana Sonangol, pois teria sido Álvaro Sobrinho, através da sua sociedade Newbrook, a chegar-se à frente para o pagamento de um sinal ao Grupo Espírito Santo de 85 milhões de dólares. O negócio, que não chegou a concretizar-se, está há anos a ser investigado pelo Ministério Público português.
Por estas razões, Ana Bruno chegou a estar na lista de convocados para as audições na Comissão de Inquérito Parlamentar à queda do BES e do GES. Nunca chegou a ser ouvida porque enviou uma carta a esclarecer que não teria conhecimentos técnicos suficientes e que nunca tinha desempenhado cargos ou funções que lhe permitissem ter informação “sobre a forma como o BES e o GES” teriam afetado “o sistema financeiro e a economia”.
Quando a VISÃO relatou em primeira mão, em 2012, os meandros e os segredos daquela que era até então a maior rede de fraude fiscal e branqueamento de capitais usada por portugueses, no centro estava “uma face delicada, sofisticada e simpática”, de olhos azuis e cabelo loiro, que geria, a partir do seu escritório, dezenas de empresas sobretudo ligadas ao imobiliário. Era Ana Bruno.