Quem, por estes dias, surfar telejornais, jornais e redes sociais, notará certamente o surto de solidariedade com as corporações de bombeiros que tomou conta do País. Este ano, a tragédia da Madeira ampliou palavras, gestos, comoções. E deu a volta ao planeta. Figuras da política, da música, do futebol ou das telenovelas, passando por jornalistas e pelo mais anónimo cidadão, fizeram questão de publicitar dádivas, mensagens de apoio e gestos de conforto aos homens e mulheres incansáveis no combate a cenários infernais. A história repete-se sempre que tudo arde. É mau? Nada disso. Mas será sempre assim? “Claro que não acontece o mesmo ao longo do ano”, reconhece Jaime Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses à VISÃO. “Mas quando as emoções e o sofrimento estão mais à flor da pele, os exemplos de solidariedade são enormes. É compreensível”, admite o comandante.
Entenda-se: “De forma geral, o povo português tem sido extraordinário”. Abundam exemplos, pelo País fora, de gestos “maravilhosos”, sem mácula. Muitos deles vindos, sobretudo, de quem também não se esquece dos bombeiros ao longo do ano. “Quando as corporações precisam de fazer face a algum problema ou necessidade fora desta época, as populações locais são as primeiras a chegar-se à frente, por vezes fazendo grande esforço pessoal”, garante. Outros, contudo, parecem mais interessados em mostrar o quanto são solidários. “Há quem tenha uma certa ânsia de protagonismo nestas alturas, mas cada um sabe de si. Posso dizer, no entanto, que muitos dos gestos mais significativos que temos recebido são de gente que quer manter-se anónima. Dirigem-se a nós, mas recusando identificar-se. Até camiões-tir cheios de água nos oferecem”, elucida.
Doações: “Do 8 ao 80”
Outros apoios, além de significativos, têm alcance pedagógico. É o caso do livro infanto-juvenil “As profissões de um bombeiro” (edição Os Mosqueteiros), da autoria de Lara Xavier e Raquel Santos, cujas verbas resultantes da sua venda são devolvidas, na íntegra, aos bombeiros, sob a forma de equipamento de proteção individual. “Os apoios públicos é que ficam sempre aquém do necessário. A população pensa que paga os seus impostos e está tudo resolvido, mas não está”. A sua indignação vai, nesta fase, para os municípios. “Recusaram participar na lei de financiamento aos bombeiros. Se eles tivessem entrado nesse processo, as verbas disponíveis seriam bem diferentes. É um assunto que não quero discutir numa altura de dar as mãos, mas quando isto acalmar vamos ter de falar de olhos nos olhos. Nada ficará como dantes”, assegura.
Quando fez a análise do projeto de diploma que permitiu um aumento das verbas para os bombeiros da ordem dos 12 por cento, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) considerou a proposta “inconstitucional”, por obrigar a uma contribuição mínima das autarquias para as corporações de voluntários. “Não há, no ordenamento jurídico relativo às autarquias locais, normas legais que imponham a transferência obrigatória de verbas mínimas a favor de entidades privadas, mesmo que desenvolvam atividades de interesse público municipal”, assinalou, na altura, a ANMP, alegando que o financiamento dos bombeiros voluntários já é assumido pelos municípios, “de acordo com a realidade de cada um”.
Na verdade, segundo Jaime Soares, “a generalidade das associações de bombeiros vive problemas gravíssimos de sustentabilidade financeira”. E o desconhecimento também faz o seu caminho: “Os fogos florestais representam apenas 7 por cento da atividade dos bombeiros. Os portugueses saberão, por exemplo, que 92 a 95 por cento da atividade do INEM é feita por nós?”, questiona. Por outro lado, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses alerta para o facto de muitos apoios e ofertas às corporações, sobretudo géneros alimentícios, estarem a ser canalizados para entidades e instituições de forma anárquica e sem controlo. “Há quem desenvolva campanhas em representação dos bombeiros sem ter autorização para tal. E em matéria de doações passa-se do 8 para o 80. As intenções podem ser muito boas, e na maioria são, mas quem quer ajudar deve canalizar os seus apoios, sobretudo alimentos, para as corporações e a própria Liga dos Bombeiros, para que haja uma gestão racional desses recursos, até para evitar que muitos desses produtos se estraguem”.