“A dívida pública é o elefante no meio da sala. Ele é tão grande que quase tudo o resto depende dela”. A declaração é de Ricardo Cabral, 45 anos, economista e professor da Universidade da Madeira. Com a inscrição, no acordo entre o PS e o Bloco de Esquerda, de um anexo em que se cria um grupo de trabalho sobre a sustentabilidade da dívida externa, o estudo que o economista realizou com outros especialistas, em 2014, volta a estar em cima da mesa.
Intitulado Um Programa Sustentável para a Reestruturação da Dívida Portuguesa, o relatório, da autoria de Ricardo Cabral, Francisco Louçã, Eugénia Pires e Pedro Nunos Santos, todos economistas, defendia uma reestruturação da dívida externa portuguesa através de um prolongamento dos prazos e de diminuição das taxas de juros. “Parecia-nos a hipótese que melhor defendia os interesses do país. Quando se procede a um corte da dívida, o mercado deixa de estar disponível para emprestar a taxas de juros aceitáveis, o que podia pôr em causa o refinanciamento do stock da dívida”, nota o economista.
Segundo os dados de 2013, usados no estudo, a dívida externa do país, a maior parte constituída por dívida pública e do setor bancário, era de 370 mil milhões de euros. Com a reestruturação da dívida pública e com a resolução bancária (que imporia perdas aos credores e transformação de parte da dívida por ações dos bancos), poupar-se-ia cerca de 4,7 mil milhões de euros (dados de 2013). “Reduzindo o valor da dívida, deixaríamos de estar dependentes da ‘caridade externa’”, nota Ricardo Cabral. A proposta dos previa uma redução das taxas de juro da dívida pública portuguesa para 1% e o prolongamento das maturidades para o período 2045-54. Haveria ainda um ano de carência de juros durante um ano, que na proposta então apresentada deveria ser em 2015.
A presumível oposição dos credores, na opinião de Ricardo Cabral, conduziria a negociações muito duras. «Mas nós temos também instrumentos para manter posições duras”, nota o economista, realçando o facto de o Estado ter o poder de fazer leis e de o programa prever uma resolução bancária. Por outro lado, as propostas dos quatro economistas não diferenciavam os credores, não sendo válida a regra da senioridade que protege, nomeadamente, instituições internacionais com o FMI. “Quando se protege um grupo de credores, os outros sofrem mais”, nota Ricardo Cabral.
Segundo o economista, a natureza jurídica dos contratos de dívida pública portuguesa atual também não tem os moldes que levaram a Argentina a ficar refém dos fundos abutres, que exigiram o pagamento das dívidas em tribunais norte-americanos que lhes deram razão. “ A Argentina tinha títulos de dívida em nove moedas diferentes e em diferentes jurisdições”, nota. Contudo, a situação é diferente de 2011, quando ocorreu o resgate. “Então, defendi que Portugal não devia pedir um resgate mas sim realizar uma reestruturação da dívida, que em mais de 90% era regida pela lei nacional. Então, teria sido muito fácil fazê-la», lembra o economista.
Ricardo Cabral não acredita, contudo, que o PS esteja interessado na reestruturação da dívida. “Das vezes em que estive com o Dr. António Costa e em que abordámos este assunto ele mostrou-se sempre contra esta medida”. Então, o grupo de trabalho é apenas cosmético? Ricardo Cabral não se pronuncia mas adianta que vale a pena estudar o assunto. “ Faz todo o sentido estar preparado – a dívida é mesmo o elefante no meio da sala e é tão grande que tudo o resto depende dela”.