Porto. Manhã de sexta, 19. O BMW X6 de Cristina Ferreira está estacionado junto ao consulado-geral de Angola, na zona da Boavista. Quem a conhece, não se espanta. Nos últimos dias ganhara consistência a informação de que a verdadeira dona da WeBrand marcara uma viagem para si e para o marido no final do mês, tendo como destino Luanda, e ali estava a aparente confirmação. As notícias sobre as investigações à agência, a Luís Filipe Menezes e às campanhas eleitorais do PSD terão acelerado as diligências. Se Cristina vai manter os hábitos de outrora não se sabe.
Mas se o fizer, é certo que o fará em executiva, nunca menos.
Nos anos de ouro da WeBrand assim foi: marido, família, amigos, viajavam a expensas da empresa, sem cuidar de miudezas. No final de 2009, ano de três eleições contratadas com o PSD, atingiu o zénite: a WeBrand ganhara muito dinheiro com o partido, distribuíra prémios por funcionários e Cristina decidira passar o ano em Nova Iorque com um pequeno grupo familiar e amigo. O local eleito foi o Hotel Carlyle, um cinco estrelas na famosa Madison Avenue, onde a estadia para duas pessoas por uma semana rondou os 5 mil euros. O pequeno-almoço por casal, pago à parte, superou os 1600 euros. ?A cereja no topo do bolo terá sido, segundo antigos colaboradores da agência, a viagem panorâmica de helicóptero para apreciar as vistas sobre Manhattan.
Das raízes ao deslumbramento
Na verdade, Cristina sempre sonhou em ver o mundo do topo. Mas veio de baixo. Nascida há 49 anos no seio de uma família humilde de Gondomar, perdeu o pai cedo e foi à luta para ganhar sustento. O primeiro emprego que lhe recordam foi na Triângulo, uma empresa de publicidade, onde ganhara a febre dos negócios com outdoors. Seguiram-se outras, ao longo de anos, em que as influências políticas e o fito dos negócios com partidos e autarquias, sobretudo a Norte, iam dando estofo às suas ambições e diminuindo as preocupações com a idoneidade, que chegaram a elogiar-lhe.
Do seu rol de amizades contam-se governantes, ex-ministros, deputados, autarcas, gestores de topo e diplomatas que navegam nas áreas do chamado “bloco central de interesses”. Na Grafinvest, nos primeiros anos do século, “ela ainda se preocupava com a situação dos trabalhadores, mas depois deslumbrou-se”, conta quem com ela lidava. Na empresa, que chegou a reunir “uma equipa fabulosa” e era então “uma das mais bem equipadas do País na área da impressão digital”, circulava já “muito dinheiro vivo, favores e comissões para gente dos partidos e das autarquias, sobretudo PSD e PS”, refere quem lá trabalhou. Sucedem-se as viagens, gastos, cartões de crédito, carros. “Houve um tempo em que a Grafinvest ficou conhecida como a empresa dos Audis, mas também se viveram períodos de salários em atraso”. Peanuts. “Temos que viver da imagem, dar a ideia de que temos muito e vivemos bem”, justificara ela, sempre à cata de novos negócios, de braço dado com Renato, o companheiro.
Só estilo
A WeBrand bordaria a vida de Cristina e Renato a ouro. Os gastos pessoais do casal e familiares são quase sempre debitados à empresa. Os ordenados reais não aparecem no papel, as casas estão em nome de amigos, os carros, e os gastos associados, são pagos pela WeBrand. A vida de Cristina divide-se entre o atraso nos pagamentos das prestações das habitações de Gondomar e Mira, dívidas antigas, penhoras e fins de semana na Herdade dos Salgados (Albufeira) ou em Paris. Compra carteiras Birkin Hermes – as mais caras do mundo, que custam entre 4000 a 11 mil euros – e malas de viagem Louis Vuitton. Nunca gasta menos de 400 euros no cabeleireiro. Manda vir botas da Austrália e sandálias de Nova Iorque, e encomenda mobiliário a lojas de luxo com ordens para que a fatura seja passada à WeBrand como se fossem ofertas a clientes.
Houve anos recentes em que as despesas mensais fixas de Cristina Ferreira seriam superiores a 9 mil euros. E mesmo quando os funcionários reclamavam pelo facto de receberem o ordenado às pingas – e assim aconteceu, pelo menos, ao longo de um ano – Cristina não se apoquentava. Pelo contrário. O que verdadeiramente a stressava era partir uma unha de gel, as invejas, o facto de o Yorkshire não fazer as necessidades no mesmo sítio, e as indecisões quanto à compra de uma cadela Bichon Maltês, a 200 euros a pata, preços por baixo.
Enquanto isso, os jantares e convívios na vivenda de Gondomar deixavam de queixo à banda os visitantes menos prevenidos. Serviços Vista Alegre, cerveja bebida em copos do designer Ritzenhoff, brindes em flutes de champanhe Christofle, chá e café saboreados em peças desenhadas por Siza Vieira. Nas paredes, quadros de Cargaleiro, Noronha da Costa, José Guimarães, Cruzeiro Seixas, António Cruz e Júlio Resende, serigrafias de João Ribeiro e esculturas de Rosa e Júlia Ramalho. Em sapatos, carteiras, joias e relógios, Cristina e Renato teriam, há poucos anos, bens avaliados em cerca de 240 mil euros.
Ódios de estimação
Sempre desejosa de manter clientes apaparicados ou tentar abrir portas, Cristina não escolhe fronteiras. Nem políticas nem geográficas. Pelo Natal, envia pequenas lembranças da WeBrand para gabinetes ministeriais de sucessivos governos, hospitais, institutos públicos, grupos de construção civil, empresas prestigiadas. Organiza eventos sem cobrar, recebendo a promessa de portas abertas em instituições financeiras e grupos económicos, em Portugal e no estrangeiro. A rede de contactos alcança a África lusófona e até a Guiné Equatorial.
No meio profissional em que se move, cultiva ódios de estimação: Luís Paixão Martins, da LPM, João Tocha, da F5C, e António Cunha Vaz, da Cunha Vaz e Associados, figuras das mais importantes agências de comunicação, as quais associa a várias “asneiras”, “flops” e “incapacidades” para gerir os clientes.
Após as Legislativas de 2011, o mundo de Cristina ameaçou desabar. A lista de clientes não é a mesma e a falência da WeBrand é, no momento, uma hipótese real. Nas últimas semanas, amigos fugiram dela como da lepra. Outros, antes dados a confidências e pedidos de favores, dizem agora desconhecê-la. Entre figuras do PSD, há falhas de memória. Os tempos difíceis, a descapitalização da agência, trouxe tormentas.
As investigações fiscais e judiciais são nuvens negras a pairar. Quem a conhece diz que Cristina é daquelas pessoas que convém não deixar cair. “Se acontecer, levará toda a gente com ela”, avisa quem lhe provou o fel.
Em fevereiro, contudo, Renato e ela ainda não pareciam preocupados. Se assim fosse, teriam rumado ao Rio de Janeiro, para curtir o Carnaval em pleno Sambódromo? Talvez, dizem fiéis servidores da “madame” noutros tempos. “Ela é do género catch me if you can”.
No final do mês, Cristina tem Angola na agenda. Terá, porém, de comunicar o destino e a duração da viagem ao tribunal, pois está com Termo de Identidade e Residência na sequência de processos judiciais. Mas se sair por Vigo, na Galiza, talvez não tenha problemas. Não seria a primeira vez.