Do outro lado do rio Túria, que separa a cidade de Valência das localidades mais afetadas pelas trágicas cheias de 29 e 30 de outubro, Paiporta será a mais devastada de todas e a que registará, provavelmente, o maior número vítimas mortais, quando se fizer o balanço final – para já, há 214 confirmadas, mas teme-se que venham a aumentar consideravelmente, tendo em conta a quantidade de garagens ainda submersas, incluindo em centros comerciais.
Cinco dias depois de a tempestade DANA ter provocado o caos nas ruas, uma comitiva encabeçada pela rei Felipe VI e a rainha Letízia, com a presença do primeiro-ministro Pedro Sánchez e do líder regional Carlos Mazón – dupla que tem concentrado as críticas das pessoas afetadas -, organizou uma visita à região, e a população local não calou a revolta.
Entre insultos vários e gritos de “assassinos”, as autoridades políticas sentiram na pele a indignação dos moradores, que lhes atiraram pedras e lama, enquanto reclamavam pela demora não apenas dos avisos a alertar para a gravidade da situação mas também da chegada da ajuda, após a chuva diluviana e o transbordar de um rio que está quase sempre seco nesta zona da foz.
Nem a guarda civil nem a polícia conseguiram controlar a reação irada dos locais, que se queixam de terem sido abandonados num cenário apocálitico, com carros e cadáveres a “navegarem” à sua frente. O rei foi o último a ser retirado da zona, de automóvel, depois de ter estado à conversa com algumas pessoas e de ter tentado acalmar os ânimos, o que se revelaria impossível. Os chapéus de chuva abertos em seu redor estavam longe de garantir proteção dos objetos que iam sendo lançados, apesar de Pedro Sánchez ter sido o alvo prioritário, segundo relata o jornal El País. “As pessoas a morrer e agora é que vens”, “fora, fora, fora” e “pede ajuda agora” foram lamentos ouvidos em Paiporta.
Nos primeiros dias, os trabalhos de limpeza e resgate ficaram apenas a cargo das populações, o que gerou uma vaga de solidariedade, com milhares de voluntários, vindos de Valência, a cruzarem a pé uma ponte sobre o Túria para socorreram os vizinhos, levando-lhes água e outros bens essenciais, além de pás e outras ferramentas. No sábado, aglomeram-se mais de 15 mil junto à Cidade das Artes e das Ciências, na margem do rio do lado de Valência, de onde partiram 2.500 para as localidades afetadas, já sob orientação das autoridades regionais.
Este domingo, porém, os acessos a essas localidades foram vedados aos voluntários, para facilitar os trabalhos de remoção dos destroços e o resgate das pessoas ainda desaparecidas – serão centenas mas não existem estimativas oficiais – pelas equipas especializadas que, finalmente, já se encontram no terreno. Neste sábado, 2, Pedro Sánchez anunciou que iria enviar mais cinco mil militares para a região, a somar a outros dois mil, e aumentar significativamente o contingente policial e da guarda civil, também para combater os roubos e pilhagens.
A partir da tarde deste domingo, a meteorologia promete dificultar estes trabalhos, com previsão de muita chuva, não só hoje mas também nos próximos dias, em várias regiões da costa leste de Espanha.