A Anatel, entidade que regula as telecomunicações no Brasil, foi mandatada para bloquear a utilização da rede social pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em causa está uma determinação do ministro do Alexandre de Moraes, que há meses trava uma dura batalha com Elon Musk.
As multas para quem tente, no Brasil, aceder à rede social através de uma VPN ascendem aos 50 mil reais – cerca de €8 mil. Para contornar a situação, orgãos de comunicação social como o jornal Folha de São Paulo estão a usar os seus correspondentes no resto do mundo para continuar a publicar para os seus seguidores, informou o próprio jornal no seu site.
Fazendo uma rápida pesquisa naquela rede social, depreende-se que o outro gigante de São Paulo, o jornal Estado de S. Paulo, estará a usar a mesma técnica. Já o Globo, do Rio de Janeiro, não tem qualquer publicação desde o dia 30 de agosto, quando a determinação foi decretada.
O que se passa, afinal, entre o antigo Twitter e o Brasil?
Desde 2023 que há inquéritos a decorrer no Supremo Tribunal, e que têm como objetivo investigar a proliferação de informação falsa – as chamadas fake news – e o possível financiamento de grupos que ameaçam a democracia. As investigações foram iniciadas depois do ataque à Praça dos Três Poderes, em Brasília, a 8 de janeiro daquele ano. Recorde-se que, na altura, tudo indicava que este teria sido realizado por apoiantes de Jair Bolsonoaro, com a conivência do antigo presidente.
Pouco tempo depois, Moraes decretou que vários perfis de utilizadores que estão a ser investigados no âmbito desses inquéritos fossem bloqueados das redes sociais. Elon Musk, dono da rede social X, nunca cumpriu as determinações. Mais tarde, já em agosto deste ano, e com as multas a acumularem-se graças aos incumprimentos sucessivos de determinações do STF, a rede social decidiu fechar os escritórios no Brasil. A operação, no entanto, seguiria com toda a normalidade.
Musk justificou a decisão com alegadas ameaças de prisão à responsável nacional, Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição. A informação foi revelada dois dias depois de Moraes ter anunciado que a multa diária aplicada ao X por não cumprimento das decisões do STF passaria de 50 mil reais (cerca de €8 mil) para 200 mil reais (cerca de €32 mil).
Na resposta, Moraes endureceu o tom. No dia 28 de agosto, o ministro do STF ordenou que no prazo de 24 horas houvesse informação do novo responsável pela empresa no Brasil, de acordo com a legislação nacional. Caso contrário, avisou o magistrado, a rede seria bloqueada no país. Mais uma vez, Musk decidiu que a ordem não era para cumprir e, apenas 7 minutos depois do fim do prazo, fez saber que não tem qualquer intenção de seguir as determinações do STF, e acusou Alexandre de Moraes de censura – tendo também escrito, a determinado momento, que ele é um “juíz falso”.
Na página oficial do Supremo Tribunal Federal, aquele orgão informa que Elon “Musk é investigado no Inquérito (INQ) 4957, que apura a suposta prática dos delitos de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime.”
Até o Presidente da República, Lula da Silva, já veio em defesa do STF, afirmando que “todo e qualquer cidadão, de qualquer parte do mundo, que tem investimento no Brasil está subordinado à Constituição e às leis brasileiras” o que significa que Elon Musk tem de as cumprir. Em declarações a uma rádio brasileira, Lula da Silva acrescentou ainda: “Ele [Musk] pensa que é o quê? Ele tem que respeitar a decisão da Suprema Corte brasileira.”
O caso, que ganhou repercussão mundial – até porque mais de 200 milhões de utilizadores deixarem de ter acesso não é para menos – trouxe uma questão muito relevante novamente para a agenda. É que, tal como acabará por, certamente, acontecer em todos os restantes países, é preciso perceber de que forma a lei que garante a Liberdade de Expressão protege, também, os cidadãos do discurso de ódio e da desinformação.
Porque se é verdade que a Liberdade de Expressão é protegida pelas Constituições dos Estados democráticos, não é menos verdade que as redes sociais vieram transformar a luta contra o ódio e a xenofobia numa arena muito mais complicada de gerir.