Quando o grupo terrorista Hamas atacou Israel, no passado dia 7, os sogros do primeiro-ministro da Escócia, Humza Yousaf, estavam em Gaza, em casa de familiares. Os pais de Nadia El-Nakla, escocesa de origem palestiniana, viajaram desde Dundee, na Escócia, até Deir al-Bala, em Gaza, para visitar o filho e quatro netos, bem como a avó paterna de Nadia, com 92 anos e problemas de saúde.
Agora, o casal El-Nakla, Elizabeth (escocesa e enfermeira reformada) e Maged (palestiniano), faz parte do grupo de mais de um milhão de pessoas que recebeu ordem do exército israelita para sair de Gaza, deixando o caminho livre de civis para uma resposta contra-ofensiva.
Inicialmente, através da rede social X (antigo Twitter), o líder do governo escocês partilhou um vídeo de Elizabeth, visivelmente emocionada: “Não temos eletricidade. Não temos água. A comida que temos, que é pouca, não vai durar porque não temos luz e vai-se estragar. Tenho quatro netos nesta casa. Um bebé de dois meses, um de quatro anos e, hoje, dois gémeos de nove anos, que celebram o aniversário. Peço ao mundo que ajude os palestinianos”.
As suas preocupações estendem-se também ao que se passa com quem precisa de cuidados médicos: “[Só penso em] todas as pessoas no hospital que não podem ser evacuadas. Onde é que está a humanidade? Onde é que está o coração das pessoas, para deixar que isto aconteça hoje em dia? Que Deus nos ajude. Adeus.”
“Apesar dos esforços iniciados pelo Ministério das Relações Exteriores britânico, ninguém lhes pode garantir uma passagem segura para qualquer lugar”, atualizou Humza Yousaf.
No domingo, 15, foi a vez de Nadia El-Nakla, psicoterapeuta e ativista política, usar o seu poder da palavra no início da conferência do Partido Nacional Escocês (SNP) em Aberdeen, onde uma moção de emergência foi aprovada por unanimidade pelos delegados, apelando ao Governo para apoiar as exigências das Nações Unidas para criar um corredor humanitário.
“Somos um povo orgulhoso. Adoramos cantar, dançar, comer e sentar-nos na praia. Somos barulhentos, muito barulhentos. Adoramos aprender e somos calorosos. Temos sonhos e objetivos. Vamos sobreviver… vamos dar às crianças de Gaza uma oportunidade de vida. Deixem a minha sobrinha, Leila, os meus sobrinhos, Majid e Amjad, e o meu sobrinho mais novo, Amir, com oito semanas, sobreviverem. E isto só poderá acontecer quando os líderes mundiais usarem a diplomacia em vez de usarem as armas e lutarem pela paz em vez da guerra. Isto pode parar se aqueles que estão no poder quiserem.”
Sem jornalistas internacionais em Gaza, Nadia El-Nakla está com dificuldades para conseguir informações atualizadas da situação dos pais, pois sem eletricidade, é preciso poupar ao máximo a bateria dos seus telemóveis. Onde os pais estão, os vizinhos também já têm os contactos de Nadia, pormenores em que é preciso pensar.
Sem corredor humanitário, a debandada de civis ordenada pelo governo de Israel pode transformar-se numa carnificina. Nadia El-Nakla teme que os 2,2 milhões de pessoas em Gaza sejam mortas e que o território possa deixar de existir em breve. Com o governo israelita a negar o cessar-fogo para a saída de estrangeiros no posto fronteiriço de Rafah, que liga o Sul da Faixa de Gaza à península egípcia do Sinai, significa que também não entra qualquer tipo de ajuda humanitária.
“A minha mãe disse que nos últimos oito dias não houve descanso por mais de 10 minutos”, contou Nadia na conferência do Partido Nacional Escocês. A semana avançou do medo ao desespero completo, com as pessoas a pernoitarem em campos de futebol perto da casa da sua família. “Vi muitas guerras em Gaza enquanto crescia, mas nada como isto. As morgues estão cheia, estamos a usar camiões de gelados para preservar os cadáveres”.
Nadia contou também que o seu irmão, médico de emergência em Gaza, “começou a dizer que já não pode tratar ninguém porque não há suprimentos e os mortos estão a chegar em partes de corpos”.
“Estamos habituados a sofrer e a ter medo, desta vez é diferente. Normalmente, quando o número de mortos atingisse um número suficientemente elevado, o mundo pediria moderação. Mas, o número de mortes está a aumentar, a maioria de crianças, e Gaza está a ser transformada em escombros. Sem comida, sem água, sem eletricidade. Estamos a assistir a um ataque à humanidade e o meu coração parece que se está a transformar numa pedra.”
Humza Yousaf também deu o seu testemunho na conferência do partido: “Falei com a minha sogra no sábado. Durante todo o dia comeu um ovo e bebeu alguns goles de água. Estão dezenas de pessoas em suas casas e têm pouca água potável. Se esta é a realidade para os meus sogros que, segundo os padrões de Gaza, têm dinheiro, como será a situação dos mais desfavorecidos?.”
Entre falsos alarmes, despedidas efémeras e angústias partilhadas é urgente abrir a passagem de Rafah, para que todos – judeus, muçulmanos, cristãos, ateus, agnósticos – seja os que foram capturados pelo Hamas ou os que ficaram sem saída, como o casal escocês, possam ser evacuados em segurança.