Numa entrevista recente à revista GQ, o ator Brad Pitt admitiu que acredita sofrer de prosopagnosia, um distúrbio neurológico também conhecido como cegueira facial. “Ninguém acredita em mim”, desabafou. “Quero conhecer outras pessoas que tenham esta doença”. A prosopagnosia é o nome dado à incapacidade de reconhecer caras ou identificar pessoas apenas com base nas suas expressões faciais. Embora o ator de 58 anos não tenha sido formalmente diagnosticado com a condição, a dificuldade que tem há já vários anos em reconhecer caras leva-o a crer que se pode tratar de algo mais do que apenas má memória.
De acordo com o Instituto Nacional para Distúrbios Neurológicos e Derrames (NINDS, na sigla inglesa) dos EUA, “dependendo do grau de deficiência, algumas pessoas com prosopagnosia podem ter dificuldade em reconhecer um rosto familiar; outros serão incapazes de discriminar entre rostos desconhecidos, enquanto outros não serão mesmo capazes de distinguir um rosto de um objeto. Algumas pessoas são até incapazes de reconhecer o seu próprio rosto”. O instituto reforça ainda que esta condição não deve ser confundida com situações de perda de memória, esquecimento, deficiência visual ou dificuldades de aprendizagem.
Segundo o que conta à GQ, Pitt quer ser capaz de reconhecer as pessoas e tem vergonha não só de não o conseguir fazer, mas também de ser considerado distante e egocêntrico por isso. A condição da cegueira facial pode afetar o dia-a-dia dos seus portadores de diferentes formas e ser um obstáculo à sua normal integração na sociedade. Investigações anteriores sugerem que pessoas com prosopagnosia podem tornar-se cronicamente ansiosas ou sofrer de depressão em consequência de um auto-isolamento que resulta de não se sentirem capazes de responder às diferentes situações sociais. O próprio ator já havia admitido numa entrevista de 2013, à Esquire, quando abordou também o tema da prosopagnosia, que a condição o levava muitas vezes a isolar-se em casa. “É por isso que fico em casa”, desabafou.
Qualquer interação social básica pode tornar-se um desafio na presença da cegueira facial já que existe o permanente receio de o seu portador não ser capaz de reagir adequadamente por não reconhecer as pessoas que o abordam, incluindo, por vezes, familiares e entes queridos. “Pode ser relativamente debilitante para as pessoas (com a condição)”, explica ao The New York Times Andrey Stojic, diretor de neurologia geral da Cleveland Clinic. “É difícil para outras pessoas entenderem”, acrescenta.
As causas da prosopagnosia não são, ainda, inteiramente conhecidas, mas, de acordo com a organização Facebling.org, que se dedica a investigar esta condição, esta pode ser mais comum do que esperado, com cerca de 1 em cada 50 pessoas a sofrerem com este distúrbio. Em Portugal, por exemplo, e considerando que o país tem aproximadamente 10 milhões de pessoas, existem, de acordo com a estimativa apresentada, 200 mil pessoas com cegueira facial.
Apesar de existirem ainda algumas questões por responder, sabe-se, hoje, que existem dois tipos de prosopagnosia: a prosopagnosia congénita, ou seja, que nasceu com o indivíduo e o acompanhou toda a sua vida, ou a prosopagnosia que se desenvolve mais tarde resultado, geralmente, de um acidente que tenha repercussões no cérebro. “A prosopagnosia pode resultar de acidentes vasculares cerebrais, lesões cerebrais traumáticas ou certas doenças neurodegenerativas. Em alguns casos é um distúrbio congénito, presente no nascimento e sem indícios de qualquer dano cerebral. A prosopagnosia congénita parece ocorrer em famílias, o que torna provável que seja o resultado de uma mutação ou exclusão genética”, como explica o NINDS.
“Não parece haver nenhuma anormalidade estrutural óbvia (no cérebro)” para aqueles nascidos com a doença, explica Stojic. Uma vez que não há lesões cerebrais claras em pessoas com prosopagnosia congénita, os investigadores não sabem ao certo o que a causa. Por outro lado, indivíduos que desenvolvem, mais tarde esta condição apresentam lesões cerebrais, geralmente resultado de um acidente, embora também o possam fazer em consequência da doença de Alzheimer. Algumas crianças no espetro do autismo também podem apresentar a mesma condição.
Atualmente não existe nenhum tratamento para a prosopagnosia, mas os portadores deste distúrbio podem desenvolver “estratégias de compensação” para que sejam capazes de reconhecer as pessoas à sua volta. Muitos dos indivíduos com a condição focam-se em lembrar pormenores únicos das outras pessoas que possam ajudá-los a identificá-las, nomeadamente a sua voz ou uma característica facial ou corporal especialmente predominante como um nariz maior, um penteado diferente, o modo de andar, entre outros.
Os neurologistas geralmente diagnosticam a prosopagnosia recorrendo a uma série de testes criados com o intuito de avaliar a capacidade de uma pessoa de se lembrar e reconhecer rostos. A apresentação de um diagnóstico formal pode ser um processo demorado já que os médicos geralmente se esforçam para garantir que a cegueira facial de um paciente não se trata de um sintoma de uma condição neurológica degenerativa mais ampla. Dados os vários obstáculos que se impõem ao diagnóstico da doença, que não tem, inclusive, um método concreto de identificação, é provável que a maioria das pessoas com este distúrbio nunca chegue a ter a comprovação médica da sua condição.
Além de Pitt, outras figuras públicas são também afetadas pela condição da cegueira facial, como destaca a CBS News. Numa entrevista dada ao The Carousel em 2017, o cofundador da Apple, Steve Wozniak, admitiu viver com este distúrbio. “Penteados estranhos, certas roupas, uma voz que eu reconheço”, enumerou ao tentar explicar os mecanismos a que recorre para reconhecer as pessoas. “Muitas pessoas têm isto, mas nunca se sabe porque não se sabe a menos que surja como uma algo óbvio”, acrescentou.
Também a cientista Jane Goodall falou no seu livro “Razão para Esperança: Uma Jornada Espiritual” sobre como a prosopagnosia a afeta. Como muitas pessoas com a condição, Goodall admitiu que costumava pensar que se tratava de alguma foram de “preguiça mental” que a impedia de memorizar caras. “Eu não tinha problemas com aqueles que tinham características físicas óbvias – estrutura óssea incomum, nariz adunco, beleza extrema ou o oposto. Mas com os outros rostos eu falhava, miseravelmente”, escreve. “Às vezes eu sabia que as pessoas ficavam chateadas quando eu não as reconhecia imediatamente, eu, pelo menos, estava. E porque estava envergonhada, guardei isso para mim”. Hoje admite estar mais informada, mas a insegurança em ambientes sociais mantém-se. “Mesmo agora que sei que não preciso de me sentir culpada, ainda é difícil saber como lidar com isso – não posso andar por aí a dizer a todos que conheço que provavelmente não os conhecerei da próxima vez que os vir! Ou será que devo?”, questiona.