Segundo mostram agora imagens divulgadas pela CNN, a Rússia parece estar a acumular uma força militar sem precedentes no Ártico, numa zona estratégica afetada pelo degelo e por onde passa aquela que é conhecida como a rota do nordeste. Algo que ocorre duas semanas depois do mediático acidente com um porta-contentores no canal do Suez, no Egito, paralisando as trocas comerciais e a mais conhecida ligação marítima entre a Ásia e a Europa.
A grande preocupação dos peritos, explica aquela estação televisiva americana, é uma suposta mega arma russa conhecida como Poseidon 2M39, um torpedo cujo desenvolvimento está a avançar rapidamente, depois de o presidente russo, Vladimir Putin, ter solicitado ao seu ministro da defesa, Sergei Shoigu, uma atualização sobre uma fase chave dos testes feitos em fevereiro e pedido que fossem planeados mais ao longo do ano.
Há duas semanas, estava o mundo com as atenções focadas nas manobras de libertação do Ever Given, o porta-contentores gigante encalhado no Canal do Suez, as movimentações na Rússia voltaram a dar nas vistas, depois de a agência noticiosa estatal russa TASS ter noticiado outro teste bem-sucedido do novíssimo míssil de cruzeiro hipersónico, garantindo que atingira o alvo várias vezes – e que um outro nível mais avançado de testes estava já a ser preparado para os meses de maio e junho.
O dito torpedo, de propulsão nuclear, foi concebido para passar furtivamente pelas defesas costeiras no fundo do mar. De acordo com oficiais russos, citados pela imprensa do país, o dispositivo destina-se a entregar uma ogiva de múltiplas megatoneladas, causando ondas radioativas que tornariam zonas da costa inabitáveis durante décadas. No final do ano passado, o então secretário de estado adjunto para a segurança internacional dos EUA, Christopher A Ford, declarou mesmo que “o Poseidon foi desenhado para “inundar as cidades costeiras americanas com tsunamis radioativos”.
Uma opinião partilhada pelo chefe dos serviços secretos noruegueses, Nils Andreas Stensønes, que garantiu à CNN que a sua agência avaliou o Poseidon como “parte do novo tipo de armas de dissuasão nuclear”, e que, embora esteja ainda em fase de testes, é um “sistema estratégico” que se destina a alvos “muito além da região em que está a ser testado atualmente”. E também por Manash Pratim Boruah, especialista em submarinos da Jane’s Fighting Ships, um anuário de referência dos navios de guerra de todo o mundo, que afirmou: “A realidade da arma é clara. É absolutamente visível o desenvolvimento em torno do torpedo, o que está a acontecer. Há uma probabilidade muito boa de que o Poseidon venha a ser testado, e depois há o perigo de poluir muito. Mesmo sem uma ogiva, mas definitivamente com a energia nuclear no seu interior.”
De olho na Rota do Mar do Norte
Ao que revelam as imagens de satélite fornecidas à CNN pela empresa de tecnologia espacial Maxar, há uma construção acentuada e contínua de bases militares do país já em pleno círculo polar ártico, juntamente com instalações para o armazenamento subterrâneo do Poseidon e outras novas armas de alta tecnologia. E, ao que se sabe, o material russo na região inclui ainda caças e bombardeiros, além de novos sistemas de radar já muito perto da costa do Alasca, nos EUA.
Segundo considerou outro alto funcionário do departamento de Estado americano, em declarações àquela estação televisiva, há “claramente um desafio militar por parte dos russos no ártico”, que levou à remodelação das antigas bases do tempo da Guerra Fria e também à construção de novas instalações na Península de Kola, perto da cidade de Murmansk. “Isto tem implicações para os EUA e para os seus aliados porque reforça a capacidade [russa] de projetar poder até ao Atlântico Norte”, sublinhou ainda aquele oficial.
Mas não é só. Os responsáveis americanos expressaram igualmente preocupação com a aparente tentativa de Moscovo de controlo da “Rota do Mar do Norte” (NSR), ou rota do Nordeste, um percurso que vai da Noruega ao Alasca, ao longo da costa norte da Rússia, e culminando no Atlântico Norte – e que tem o potencial de reduzir para metade o tempo atualmente necessário para os cargueiros chegarem à Europa a partir da Ásia. Segundo o porta-voz do Pentágono, em causa está o facto de “as leis russas que regem os trânsitos naquela rota excederem a autoridade reconhecida ao país ao abrigo do direito internacional”. Por exemplo, estão a exigir que “qualquer embarcação que transita pela NSR através de águas internacionais tenha um piloto russo a bordo para guiar a embarcação”.
Motivos pacíficos?
Já a Rússia insiste que “os seus motivos são económicos e pacíficos”, uma posição publicamente assumida há um ano quando deu a conhecer um plano de desenvolvimento que inclui uma “base de recursos” e a NSR como “um corredor de transporte globalmente competitivo”.
No fim de 2020, Vladimir Putin, o presidente russo, voltou a enaltecer a superioridade tecnológica do país no Ártico: “É sabido que temos uma frota única de quebra-gelos que detém uma posição de liderança no desenvolvimento e estudo dos territórios. Temos de reafirmar esta superioridade constantemente, todos os dias”.
Nada que descanse sequer os seus vizinhos, como o chefe dos serviços secretos norueguês Nils Stensønes, que receia ainda as “graves consequências ambientais” das movimentações agora conhecidas. “Estamos ecologicamente preocupados. Isto não é apenas uma coisa teórica: de facto, assistimos a acidentes graves nos últimos anos”, disse ele, referindo-se ao ensaio do míssil Burevestnik, que terá causado um acidente nuclear de dimensões desconhecidas em 2019. “O potencial de uma contaminação nuclear está sempre presente”.