Comecemos com uma constatação à la Palice: os países nórdicos e do Norte da Europa aparecem invariavelmente no topo de todos os rankings em matéria de democracia, qualidade de vida e felicidade. Mas não só. No que toca à igualdade de género continuam a reforçar a sua liderança pelo exemplo. Neste momento, são já seis as mulheres a chefiarem os governos da região (ver caixa), algo que nunca acontecera e com uma particularidade paradoxal: a Suécia é agora o único estado onde nunca houve uma primeira-ministra, apesar do seu historial de direitos femininos e de quatro dos oito partidos com assento parlamentar serem liderados pelo outrora designado sexo fraco. Ou seja, o extremo norte do Velho Continente tornou-se um espaço sui generis no que à governação diz respeito, porque, no resto do mundo, os homens continuam a mandar como sempre. Como diria Françoise Giroud (antiga jornalista e ministra da Cultura de França, falecida em 2003), as coisas estão a mudar mas não tanto como deviam: “A mulher será verdadeiramente igual ao homem no dia em que, para um cargo importante, for nomeada uma mulher incompetente.”
Não é de certeza o caso de Kaja Kallas, uma jurista e antiga eurodeputada que, a 26 de janeiro, se tornou primeira-ministra do mais pequeno dos estados bálticos, a Estónia. A sua nomeação surge na sequência de um escândalo financeiro que fez cair a coligação de centro-direita que incluía os extremistas xenófobos e misóginos do EKRE, velhos adversários de Kallas. Para irritar ainda mais estes últimos, ela fez com que o novo Executivo de Talin não tenha par em todo o mundo. Além da primeira-ministra, o país tem agora mulheres a tutelarem a pasta dos Negócios Estrangeiros (Eva-Maria Liimets), a da Justiça (Maris Lauri), e das Finanças (Keit Pentus-Rosimannus), a que se soma ainda a presidência do país – ocupada desde 2016 pela bióloga e gestora Kersti Kaljulaid.
Graças a este cenário, a Estónia deverá dar um novo salto nos rankings internacionais sobre igualdade de género. De acordo com o Fórum Económico Mundial, já aparece em 26º lugar (com Portugal em 35º, num total de 153 estados), em que os primeiros quatro são Islândia, Noruega, Finlândia e Suécia. Um desempenho que vem confirmar a Escandinávia como um oásis da crescente representação feminina em todas as esferas da sociedade. Algo que os fanáticos do statu quo nunca aceitam. No final de 2019, quando o executivo finlandês passou a ser chefiado por uma jovem de 34 anos, Sanna Marin, uma das personalidades mais polémicas da Estónia, Martin Helme, então ministro das Finanças e líder do EKRE, afirmou: “Vemos como uma rapariga que é vendedora se transforma em primeira-ministra e como alguns ativistas de rua e pessoas sem educação também se juntam ao Governo”, referindo-se a Sanna Marin (que trabalhara numa padaria e num hipermercado para financiar os seus estudos universitários) e aos demais elementos femininos da sua equipa. A visada respondeu nas redes sociais que tinha imenso orgulho no seu país por permitir que os filhos de famílias humildes – como era o seu caso – pudessem atingir lugares de topo. Na altura, Kallas era líder da oposição e confessou-se envergonhada pelo incidente, tendo pedido a demissão de Martin Helme. Agora, Sanna Marin e Kaja Kallas prometem uma nova era de concórdia entre Helsínquia e Talin.
Sanna Marin
Finlândia
Com 35 anos, é a mais jovem primeira-ministra do mundo. A social-democrata lidera, desde 2019, uma coligação de cinco partidos, todos chefiados por mulheres
Ingrida Simonyte
Lituânia
Esta economista de 46 anos lidera há dois meses uma coligação (paritária) de três partidos, em que dois deles são chefiados por mulheres
Kaja Kallas
Estónia
Nascida em 1977, esta jurista liberal e antiga eurodeputada é a primeira mulher a chefiar um executivo no seu país. Tomou posse a 26 de janeiro
Katrín Jakobsdóttir
Islândia
Com 44 anos, esta ambientalista tornou-se, em 2017, a segunda mulher a chefiar o Governo de Reiquiavique
Mette Frederiksen
Dinamarca
Com 43 anos, esta social-democrata com mão dura em matéria de imigração chefia o Governo de Copenhaga desde junho de 2019
Erna Solberg
Noruega
Esta liberal-conservadora, de 59 anos, está na política há quatro décadas e lidera o executivo de Oslo desde 2013
Razões de queixa
As mulheres continuam a estar sub-representadas nos principais cargos de poder, em particular na política, como revela o último relatório do Fórum Económico Mundial dedicado à igualdade de género
24
Número de mulheres que são chefes de Estado ou de Governo nos 193 países com representação na ONU
25%
Percentagem feminina entre os 35 125 lugares nos parlamentos mundiais
21%
Percentagem de mulheres com cargos ministeriais no total dos governos do planeta
13
Mulheres que são presidentes ou primeiras-ministras na Europa (mais de metade do total mundial)