“Coiso” para os que o odeiam, “capitão” para os que o adoram, Jair Bolsonaro prepara-se para tornar-se o próximo Presidente do Brasil. O candidato de extrema-direita do Partido Social e Liberal (PSL) estonteou o país com 46% dos votos na primeira volta eleitoral das presidenciais, ganhando uma vantagem significativa sobre Fernando Haddad (29,3% dos votos), o candidato do Partido dos Trabalhadores, que vai enfrentar na segunda ronda, a 28 de outubro.
Enquanto milhões de brasileiros assistiam atentamente aos resultados presidenciais do último domingo, o poderio de Bolsonaro alastrava-se ao verdadeiro jogo político no Brasil: as eleições para deputados e senadores.
O partido de Bolsonaro, até agora um dos mais pequenos a nível nacional, conquistou o segundo maior grupo na Câmara de Deputados: passou dos 8 parlamentares que tinha para 52, ficando apenas atrás do PT, que desceu para 56 membros. A nível regional, em São Paulo, o seu filho Eduardo Bolsonaro tornou-se o deputado federal mais votado da História, com 1,81 milhões de votos. No Rio de Janeiro, o seu partido tomou o controlo de todos os cargos na Cidade Maravilhosa: 59% dos cariocas votaram em Bolsonaro para Presidente, o seu outro filho Flávio Bolsonaro foi eleito senador, o ex-juiz federal e seu apoiante Wilson Witzel segue à frente na corrida para governador, e os dois deputados (federal e estadual) são do seu partido. Nem o Nordeste brasileiro, tipicamente de esquerda e apoiante de Lula da Silva, resistiu ao capitão, e alguns estados acabaram por lhe dar a maioria, para grande desgosto de Fernando Haddad, discípulo do antigo Presidente.
O caminho está desbravado e parece levar a legislatura conservadora e de direita, com ou sem Jair Bolsonaro na presidência. E, na eventualidade provável de vencer as eleições, este cenário só vai facilitar a aprovação da agenda conservadora do candidato, capitão reformado do Exército.
Polémico e poderoso
A popularidade de Jair Bolsonaro surpreendeu a sociedade brasileira, que se acreditava mais liberal e progressista. Num ano em que foi discutido o aborto, como se explica um candidato tão conservador e religioso? No rescaldo do assassínio a tiro da ativista Marielle Franco, no Rio de Janeiro, como se explica um ardente defensor do uso de armas de fogo?
“O Brasil não atravessa uma onda de conservadorismo; o Brasil é um país conservador na sua matriz”, explica a socióloga Esther Solano, da Universidade de São Paulo. Já o politólogo paulista Hilton Cesário explica que o candidato alimenta-se sobretudo dum sentimento de crise, “onde é mais fácil culpar os outros do que assumir a nossa culpa”.
“O que Bolsonaro faz é apontar o dedo aos outros e polarizar o discurso, o que é sempre mais fácil do que ter de apresentar medidas de mudança concretas”, diz.
De facto, o discurso antiesquerdista e populista de Bolsonaro não nasceu agora, foi-se construindo nos 28 anos que leva como deputado. Segundo uma análise da BBC Brasil, nos seus primeiros anos como parlamentar (1990-1994), Bolsonaro focava-se em políticas direcionadas ao seu eleitorado principal: os militares. Pouco a pouco, foi aumentando o seu público e adaptando o discurso. Começou a concentrar-se nas críticas contra o governo de esquerda de Lula da Silva e adotou as posições polémicas, que ainda hoje tem, em relação, por exemplo, aos direitos das mulheres e dos homossexuais. Em anos recentes, defendeu que a mulher deve receber menos do que o homem “porque engravida” e disse que preferia ver um filho morrer num acidente de mota a ter um filho gay.
Jair Bolsonaro é ainda acusado de incitação à violação pelo Supremo Tribunal Federal, por ter dito a uma colega de Congresso: “Não te violo porque não mereces.” Foi condenado em agosto deste ano, em plena campanha eleitoral, a pagar uma multa de 10 mil reais.
Durante a campanha, foi esfaqueado durante uma ação de rua, foi alvo do maior protesto de mulheres no Brasil e foi confrontado com relatos de violência doméstica contra a sua ex-mulher. Para qualquer outro candidato, seria impossível sobreviver a uma campanha tão desastrosa quanto esta, mas não para ele.
Um castelo de “fake news”
Jair Bolsonaro, juntamente com os seus filhos, pegou em todas as pedras do seu caminho e construiu um castelo de fake news, de ataques à Imprensa, às instituições e ao Governo atual. O seu esfaqueamento, que o deixou durante semanas no hospital, foi mais uma achega para a sua proposta de combater a violência com a liberalização de armas de fogo.
Os seus comentários homofóbicos e racistas, feitos em entrevistas antigas que a Imprensa trouxe de volta, foram o pretexto perfeito para atacar os jornais e desacreditá-los. A partir daí, basta Bolsonaro dizer, e uma notícia verdadeira, de um jornal de confiança, passa a ser considerada falsa.
“Não sabemos lidar com isto, sinceramente”, conta Guilherme Amado, editor de política no jornal O Globo e vice-presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo de Investigação). Amado descreve como a sua redação é diariamente acusada de publicar notícias ou imagens alteradas – que são verdadeiras. “Nós mostramos as provas e as pessoas não querem acreditar, como é que conseguimos convencer alguém que a verdade é verdade?”, diz, numa pausa para café na redação do Rio de Janeiro.
No entanto, a verdadeira arma de Bolsonaro são as redes sociais e, especialmente, o WhatsApp. A plataforma de mensagens é privada e encriptada, o que significa que só quem recebe o conteúdo é que o pode ver. Tornando-se impossível de monitorizar ou remover o que se passa “lá dentro”, a aplicação tornou-se um ninho efervescente de informações falsas. Muitas vezes impulsionadas pelos próprios Bolsonaros (pai e filhos), para os grupos que partilham com milhares de pessoas. Não é difícil perceber o poder desta estratégia: 61% dos eleitores de Bolsonaro informam-se pelo WhatsApp e, segundo o Instituto Ipsos, o brasileiro é o povo que mais acredita em fake news. Esta mesma estratégia foi implementada na campanha de Donald Trump, em 2016, nos EUA, pela mão de Steve Bannon, um populista de extrema-direita, conhecido pelo sucesso na criação de conteúdos virais falsos. Em agosto deste ano, foi com ele que o filho Eduardo tirou e publicou uma fotografia nas redes sociais, aumentando a suspeita de que o estratega extremista podia estar a colaborar com a campanha do candidato.
“Tivemos uma excelente conversa e compartilhamos a mesma visão de mundo”, lia-se na leganda da fotografia. “Sr. Bannon afirmou ser um entusiasta da campanha de Jair Bolsonaro e, certamente, estamos em contato para somar forças, principalmente contra o marxismo cultural.”
Na hora certa, no lugar certo
Jair Bolsonaro promete trazer mudanças drásticas e rápidas, mas o seu currículo está longe de ser exemplo. Durante os seus 28 anos de carreira política, apenas conseguiu aprovar dois projetos de lei. Nunca foi selecionado entre “os cabeças do Congresso”, deputados com elevada influência, nem nunca ganhou o prémio Congresso em Foco, que distingue os melhores parlamentares através do voto público online. O seu programa governamental tem apenas 81 páginas e poucas medidas concretas.
Tal como outras personagens populistas, o sucesso de Jair Bolsonaro não reflete a sua competência, mas uma imagem de uma alternativa que ainda não foi sujada pelo sistema. Bolsonaro está a usufruir da sorte de estar na hora certa no lugar certo.
Apesar dos quase 30 anos de carreira política, o ex-militar não está envolvido em nenhum escândalo de corrupção. Um dos problemas mais preocupantes para os eleitores brasileiros – e, estima-se, um dos fatores que custaram votos ao PT de Fernando Haddad e de Lula da Silva (o ex-Presidente cumpre uma pena de 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro).
Além de ser “ficha limpa”, Bolsonaro promete acabar de vez com a violência no Brasil, que alcançou dimensões incalculáveis e assusta cada um dos 220 milhões de brasileiros. Nos últimos dez anos, mais de meio milhão de pessoas foi assassinado no país. Por isso, ele defende que “todo o cidadão deve ter uma arma”. “Se estamos em guerra, também temos de atacar”, disse em entrevista. Uma promessa que agrada a muitos dos seus eleitores e que revela, acima de tudo, a insegurança e o medo com que a população vive.
Homofóbico, machista, racista e perigoso para metade do país que o rejeita, mas um verdadeiro salvador da pátria para quem vota nele. Um messias. Quase parece de propósito o seu nome completo: Jair Messias Bolsonaro.

CARL DE SOUZA
Fernando Haddad: Ou história ou nada
Fernando Haddad ficou em segundo lugar na primeira volta das eleições presidenciais do Brasil, com 29,3% dos votos. Na História do país, o segundo classificado nunca conseguiu ganhar na segunda ronda. Portanto, para ser Presidente, Haddad terá de fazer história. No entanto, os brasileiros parecem estar prontos para virar a página e terminar o capítulo Lula da Silva. O partido do ex-Presidente esteve 16 anos no poder. Primeiro pela sua própria mão e, depois com a ex-Presidente Dilma Rousseff.
Este ano, o PT apostou na recandidatura de Lula da Silva, preso desde abril por corrupção e lavagem de dinheiro na prisão de Curitiba. Durante todo o ano, a sua equipa fez campanha com Lula como Presidente, confiante de que o carismático sindicalista iria ser libertado antes das eleições. À medida que o prazo de entrega oficial das candidaturas avançava, o PT introduziu
Fernando Haddad para a sua chapa – mas como vice-presidente. O ex-presidente da Câmara de São Paulo acabou por tomar o lugar do seu mentor, mas talvez já fosse tarde demais. A estratégia de transferência de voto, que funcionou em 2014 com a eleição de Dilma, parece ter falhado redondamente. Fernando Haddad nem tem o carisma de Lula nem a proximidade com ele que Dilma tinha. O resultado foi desastroso. Pela primeira vez em anos, estados do Nordeste não só não votaram PT como votaram no candidato de direita Jair Bolsonaro. Apesar de estarem em pontos completamente opostos do espetro político, cerca de 6% dos eleitores de Lula transferiram o seu voto para Bolsonaro.
Na segunda volta, a melhor hipótese para Haddad é angariar os votos dos outros candidatos derrotados. No dia a seguir ao primeiro turno, Ciro Gomes, que teve 12% dos votos, veio defendê-lo, atacando Bolsonaro: “Ele não”, disse. É esperado que Marina Silva, João Amoêdo e Guilherme Boulos também apelem aos seus eleitores para votarem em Haddad. No entanto, o candidato do PT carrega nas costas o peso de um partido manchado pela corrupção, de um povo sedento de renovação e de um Brasil hipnotizado por Jair Bolsonaro.