Desde 1972 que a mansão de Maryland, a este dos EUA, está nas mãos do Kremlin. Primeiro dos soviéticos, agora dos russos. Oficialmente era um retiro de 18 hectares, junto ao rio Corsica, para os antigos apparatchik e, agora, para os membros do governo russo fazerem uma pausa ou passarem férias. Washington tem outra versão, suspeita que ali se esconde um complexo de alta segurança, um centro de comunicações que teve um papel na alegada interferência russa nas últimas presidenciais norte-americanas. A rede russa, desconfiam as autoridades dos EUA, tem mais uma base de ‘espionagem’, outra mansão, a duas horas de viagem de carro de Manhattan. A propriedade de Glen Cove, Long Island, inclui 49 casas e também está rodeada de bosques, como a de Maryland.

Mansão propriedade do Estado russo em Centreville, Maryland
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A convicção de que as dachas, assim chamadas pelo lado russo, têm mais do que courts de ténis, piscinas e saunas justificou o encerramento político das duas propriedades e a expulsão de 35 ‘diplomatas’ dos EUA, em dezembro. Os agentes norte-americanos, de acordo com a Bloomberg, terão mesmo encontrado vestígios de antenas, material informático e outro equipamento de espionagem nos complexos. Oito meses depois, os dois retiros continuam vazios, os russos já não moram ali e o ‘sequestro imobiliário’ agrava ainda mais o clima de tensão entre os dois países.
O Kremlin nega qualquer uso das instalações para lá da normal atividade diplomática e do descanso de membros seniores da administração russa e familiares – por exemplo, obrigou a cancelar o tradicional campo de verão dos filhos de diplomatas russos. A decisão de embargar o acesso às casas teve o dedo da administração Obama, mas mesmo com outro inquilino na Casa Branca a crise arrasta-se. A transição política e a promessa de melhores relações com o presidente Donald Trump terão travado Vladimir Putin de retaliar na hora. Moscovo, num erro de cálculo, sempre desvalorizou o caso à volta da alegada intromissão nas eleições de 2016. Mas a paciência russa parece estar a esgotar-se. “Não é ilimitada”, avisou o conselheiro de política externa de Putin, Yuri Ushakov.
Em troca de devolver as propriedades, o Washington Post avança com duas exigências norte-americanas: que o Moscovo deixe de assediar os seus diplomatas e que ponha fim ao embargo à adopção de crianças russas. “É absolutamente inaceitável estabelecer condições para devolver propriedades diplomáticas. Devem ser devolvidas sem condições e sem negociações”, disse o porta-voz do Kremlin, Dimitri Peskov, que classifica a disputa de “violação do direito internacional”. O chefe da diplomacia russa usa palavras mais duras: “Um assalto em plena luz do dia”. “Pessoas decentes e bem-comportadas não se comportam desta maneira”, diz Sergei Lavrov.
A última reunião bilateral para discutir o dossier, esta semana, acabou apenas com mais ameaças de retaliação. Moscovo sugere agora que pode também embargar propriedades detidas pela embaixada dos EUA na Rússia e convidar diplomatas e operacionais norte-americanos a deixar o país. “Confirmo que medidas específicas estão a ser trabalhadas”, disse a porta-voz de Lavrov.
O confisco pelos EUA, improvável até durante a Guerra Fria, mostra como o suposto ‘hacking’ russo se tornou tóxico em Washington, ao ponto de não existir uma plataforma mínima de entendimento para resolver um dossier tão modesto como a devolução das dachas. GM