O ‘Brexit’, a saída do Reino Unido da União Europeia, estará oficialmente em marcha quando o governo britânico acionar, através da carta assinada ontem por Theresa May, o artigo 50º do Tratado de Lisboa. A missiva será entregue em mãos, esta quarta-feira, em Bruxelas, a Donald Tusk, presidente do Conselho. Este é o resultado de uma relação de ‘amor-ódio’.
Cronologia de alguns momentos chave do ‘euroceticismo’ britânico até à atualidade:
06 de junho de 1975 – Dois anos apenas depois da adesão, a permanência na CEE e no mercado único é objeto de uma consulta popular, uma promessa eleitoral do partido Trabalhista de Harold Wilson. O resultado do referendo é claramente a favor da permanência: 67%, contra 33% pela saída. Mas a campanha mostrou fraturas dentro dos ‘Labour’ e do próprio governo. O atual líder, Jeremy Corbyn, votou pela saída. O partido Conservador, que assinou a adesão quando estava no poder, fez campanha pela permanência.
27 de abril de 1984 – O Reino Unido consegue um ‘reembolso’ da CEE graças à primeira-ministra Margaret Thatcher, culminando com sucesso uma campanha de vários anos em que reclamou: “Quero o meu dinheiro de volta”. Em causa estava a elevada contribuição para o orçamento comunitário, apesar de o país ser então o terceiro mais pobre dos 10 Estados-membros da altura. Alegava que beneficiava pouco dos fundos europeus, que eram sobretudo subsídios para a agricultura, um setor pouco significativo para o Reino Unido.
09 de junho de 1983 – O partido Trabalhista é derrotado novamente pelos ‘tories’ de Margaret Thatcher nas eleições legislativas. O programa do ‘Labour’ incluía a promessa de sair da Comunidade Económica Europeia.
20 de setembro de 1988 – Num discurso em Brugges, Margaret Thatcher riposta contra a visão federalista do presidente da Comissão Europeia Jacques Delors, que sugeriu nesse ano uma maior integração europeia, com livre circulação de bens, serviços e pessoas e leis feitas em Bruxelas. “Nós conseguimos reduzir o delineamento do Estado, não foi para vê-lo restabelecido ao nível europeu, como um super-Estado europeu que exerce o seu poder a partir de Bruxelas”, disse.
01 de novembro de 1990 – O tablóide The Sun publica a famosa capa “Up Yours, Delors”, refletindo uma parte da opinião pública que se opunha ao ECU, o precursor da moeda única, e a crescente influência de Bruxelas. Nesse mesmo dia, o vice-primeiro-ministro britânico Geoffrey Howe demitiu-se do governo em litígio com Margaret Thatcher por causa da relutância em aderir ao Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio. Este conflito no governo precipitou a queda da ‘dama de ferro’.
07 de fevereiro de 1992 – A ratificação do Tratado de Maastricht pelo primeiro-ministro John Major foi feita à custa da exceção para o Reino Unido do Capítulo Social, que determinava uma série de objetivos políticos sobre a melhoria das condições de vida e de trabalho nos países europeus. Mesmo assim, o Tratado incendiou os eurocéticos, levando à formação da Liga Anti-Federalista, que mais tarde se passou a chamar Partido para a Independência do Reino Unido (UKIP).
16 de setembro de 1992 – O Reino Unido, juntamente com a Itália, abandonam o Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio na chamada “quarta-feira negra” devido à especulação com divisas que fez o governo perder milhares de milhões de libras. O sistema pretendia preparar o terreno para a união monetária, mas a experiência revelou-se traumática para os britânicos.
09 de junho de 2003 – Depois de meses de estudo, o ministro das Finanças, Gordon Brown, comunicou ao parlamento que o governo tinha decidido não aderir ao euro por ter falhado quatro dos cinco testes estipulados. Apesar de ter liderado um governo pró-europeu desde a eleição de em 1997, Tony Blair não conseguiu impor a sua vontade e a sugestão de um referendo nunca foi concretizada.
04 de junho de 2009 – Embalado pela crise financeira, em particular na zona euro, o UKIP de Nigel Farage elege 13 deputados para o Parlamento Europeu e dá visibilidade ao partido, cujo principal objetivo que é fazer o Reino Unido sair da União Europeia. O crescente euroceticismo no eleitorado leva o partido Conservador de David Cameron, então na oposição, a sair do Partido Popular Europeu para se juntar ao grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, onde estão alguns partidos de extrema-direita vincadamente anti-federalistas e eurocéticos.
09 de Dezembro de 2011 – Eleito no ano anterior, o primeiro-ministro David Cameron vetou uma alteração ao tratado europeu para tentar solucionar a crise na zona euro, algo inédito na história, alegando que não tinham sido dadas garantias de proteção ao funcionamento do mercado único, em particular dos serviços financeiros. Os restantes 26 foram forçados a um pacto orçamental que também deixou de fora a República Checa e que reavivou a ideia de uma Europa a várias velocidades.
11 de janeiro de 2013 – Num discurso em Londres, David Cameron promete um referendo sobre a saída ou a permanência se o partido Conservador se for eleito para um segundo mandato. Antes, iria levar a cabo uma negociação para estabelecer o que chamou “uma nova relação com a UE”.
22 maio 2014 – UKIP sai vencedor das eleições europeias, com mais de 27% dos votos e 24 assentos, a primeira vez na história moderna britânica que nem o partido Trabalhista nem o Conservador ganham uma eleição. Nas primeiras eleições europeias onde participou, 30 anos antes, o UKIP conseguiu apenas um por cento dos votos.
27 de junho de 2014 – O Reino Unido é, juntamente com a Hungria, um dos únicos dois votos contra a nomeação de Jean-Claude Juncker para presidente da Comissão Europeia, sofrendo uma derrota humilhante e um revés no esforço para reformar a UE.
20 de fevereiro de 2016 – David Cameron marca a data do referendo sobre a permanência ou saída do país da UE para 23 de junho, um dia depois de ter anunciado a conquista de cedências da parte dos outros 27 Estados-membros, nomeadamente regras mais apertadas para a atribuição de subsídios a cidadãos europeus, poder de veto em matérias financeiras e isenção da ideia de maior integração europeia. No mesmo dia, torna-se visível a cisão dentro do partido e que se estende ao governo. Alguns dos principais ministros, incluindo Michael Gove (Educação), Iain Duncan Smith (Trabalho) e John Whittingdale (Cultura), aderem ao campo do ‘não’. O mayor de Londres Boris Johnson juntou-se um dia depois. A atual primeira-ministra, Theresa May, ficou do lado do “sim” à permanência.
23 de junho de 2016 – O Reino Unido vota para sair da União Europeia, por 52% contra 48% a favor da permanência. Inglaterra e País de Gales votaram maioritariamente para sair, enquanto que na Escócia e Irlanda do Norte a maioria preferia ficar.