Pennsylvania, Michigan e Wisconsin. Os democratas não perdiam uma votação para a presidência dos Estados Unidos nestes três estados desde os anos 80. E bastava a Hillary Clinton ter mantido a tendência para hoje estar a caminho da Casa Branca, no lugar de Donald Trump. Todas as sondagens a davam como vencedora nestas três regiões industrializadas, que em conjunto valem 46 votos no Colégio Eleitoral e teriam sido suficientes para a ex-primeira-dama ganhar a corrida – mesmo com as derrotas no Ohio e na Florida, dois estados que oscilam entre democratas e republicanos e costumam ser determinantes (valem 47 votos eleitorais). Só que uma pequena franja de 108 mil eleitores virou as sondagens do avesso e o vento a favor de Trump, deixando o partido democrata à deriva, aparentemente sem rumo nem liderança.
“O partido está um caos”, admite um veterano estratega democrata, citado pelo Politico. “Está toda a gente em choque”, acrecenta Howard Dean, que esteve na luta para ser candidato presidencial em 2004. “Não sei quem está ao comando”, dispara outro democrata sobre o silêncio que reina na cúpula do partido. Barack Obama prepara a passagem de testemunho para Donald Trump e as últimas notícias de Hillary Clinton chegaram através do Facebook de uma cidadã anónima, que se cruzou com o casal Clinton a passear os cães, numa zona florestal na periferia de Nova Iorque.
Mas Bernie Sanders, o adversário democrata que Hillary deixou pelo caminho nas eleições primárias do partido, não perdeu tempo a colocar o dedo na ferida – e com toda a moral, diga-se, pois andou muitos meses a pregar no deserto sobre o assunto: a valorização excessiva das minorias e das elites, que dominaram as prioridades de Hillary, em detrimento da escassa atenção dedicada à classe média, sobretudo a das zonas rurais, na chamada América profunda, onde o desencanto dos homens brancos com as condições de trabalho e de vida se fez sentir nas urnas. Foram eles o denominador comum para as derrotas decisivas na Pennsylvania, Michigan e Wisconsin.
“Donald Trump explorou a raiva de uma classe média em queda e farta da ordem económica, política e da comunicação social. As pessoas estão cansadas de trabalhar mais horas por menores salários, de ver os empregos decentes e melhor remunerados mudarem-se para a China e outros países com salários mais baixos, de bilionários que não pagam impostos federais e de não conseguirem pagar a educação dos filhos – apenas os brancos mais ricos se tornam ainda mais ricos”, atirou Bernie Sanders, para depois carregar na ferida aberta: “Se o senhor Trump fala a sério sobre promover políticas que melhorem as vidas das famílias trabalhadoras deste país, eu e outros progressistas estamos preparados para trabalhar com ele.”
A declaração traduz uma chapada de luva branca à campanha do seu próprio partido ao mesmo tempo que expõe os cacos por apanhar – e no imediato não se vislumbra um nome capaz de os juntar e emergir como uma solução para 2020, apesar de Hillary ter lançado o seu vice Tim Kaine para a “fogueira” e de uma vaga de apoio a Michelle Obama ter surgido a partir das redes sociais.
A verdade nua e crua é que os democratas não só perderam a presidência como se mantêm em minoria no Senado e na Câmara dos Representantes, o que, em termos práticos, os deixa numa posição de poder tão fragilizada como não se via desde 1928. A ironia é que, numa outra leitura dos resultados eleitorais, o quadro não devia ser assim tão negro: Hillary obteve mais 440 mil votos populares do que Donald Trump, a nível nacional.
Quem fez a diferença e tornou tudo mais sombrio para o lado dos democratas foram 12 mil eleitores que garantiram o triunfo do candidato republicano no Michigan, mais 28 mil que o fizeram prevalecer no Wisconsin e outros 68 mil que o conduziram à vitória na Pennsylvania. Numas eleições que levaram às urnas mais de 120 milhões de americanos, pouco mais de 100 mil chegaram para dar a vitória a Trump e fazer mergulhar o Partido Democrata numa crise que há três dias nem os mais pessimistas adivinhavam.