E se o inimaginável, o impossível, o inacreditável se tornar, mais uma vez, irreversível? A questão era de Junho mas revelou-se premonitória. Depois do choque do Brexit em Junho, acordamos com o horror de um quase certo Donald Trump presidente dos Estados Unidos da América. À hora de fecho deste artigo ainda poderia haver uma réstia mínima de esperança de algo mudar numa recontagem, mas o cenário mais negro é o que todos dão como certo. Perdoem-me o vernáculo, mas depois de um resultado destes, uma noite em claro, milhares de caracteres para o lixo e toda uma edição alterada em meia dúzia de horas por uma equipa de luxo de 12 pessoas que resistiu até ao amanhecer, hoje vale tudo: merda, merda, merda! Mas que mundo é este, afinal?
As semelhanças entre um espectáculo de circo e a forma como os americanos elegeram o seu próximo Presidente foram totais, num desfile decadente e embaraçoso de desinformação, mentiras e insultos que durou meses a fio. Durante o primeiro debate televisivo que opôs os dois candidatos, o grande tema no Twitter foram as vezes que Trump fungou. Grandes conceitos, ideias e projectos? Pouco interessou. O resultado está agora à vista.
Nos primórdios da sua corrida presidencial, Trump não passava de uma espécie de candidato-palhaço que divertia os analistas e as gentes educadas das cidades. Chegou a ser enfiado nas secções de entretenimento e não na política tal o desdém com que os media o olhavam. Isto são favas contadas para a Hillary, será um marco histórico para o poder no feminino, dizia-se. Só que o povo tem razões que a razão desconhece, já devíamos saber isso. Aliás, a razão não é para aqui chamada. O povo vota com o coração, já devíamos saber isso.
E quando Trump abre a boca, ouve-se afinal o cidadão médio americano. Todas as aleivosias, mentiras e insultos são música para os ouvidos do Jack de Oaklahoma ou do Bill do Nebraska. Finalmente vêem ali um homem que fala como eles e que, como eles, quer ficar rico, quer estar seguro e destruir os inimigos com armas nucleares, e, nos dias em que acorda bem-disposto, quer acabar com a miséria e a fome no planeta.
Só que não foram só os homens brancos, pouco educados e desiludidos dos estados do centro que elegeram Trump. Foram os homens brancos e cultos da Florida. Foram algumas minorias que ele atacou. Foram as mulheres, caramba! As mulheres que ele ofendeu durante toda a vida e durante o tempo que cavalgou os media em direção à Casa Branca. Aquelas a quem ele “pega pela c***”, usa e abusa e deita fora. Se eu fosse americana hoje tinha vergonha de sair de casa e enfrentar outras mulheres. Quais de vocês, tipas sem amor próprio, é que votaram em Trump? Como é que vão explicar isso às vossas filhas?
As visões infantis, ingénuas e primárias do mundo de Trump têm acolhimento, porque elas dão soluções fáceis para as questões complexas, e ninguém quer respostas complexas para os seus “grandes” problemas. Trump é isso tudo. Simplista, básico, mentiroso. Mas ele é, também, o grande espelho da América real. Do multicultural, complexo e contraditório circo americano. Cada país tem os políticos que merece, e gostava de acreditar que os EUA merecem tão melhor do que isto. Mas eles lá saberão. É a democracia, estúpidos. Agora aguentem-se. E nós, entretanto, vamos levar por tabela. Podem estar certos…