Nesta era das aplicações que nos ligam em teia uns aos outros, a tecnologia anula distâncias e casa interesses. Mas há barreiras difíceis de quebrar. Um dos maiores entraves à internacionalização dos negócios continua a ser a língua que cada um fala, por muito que o inglês impere no universo das startups ou que outros idiomas, como o francês, o espanhol, o português ou o mandarim, unam milhões de pessoas por esse mundo fora – criando, por si só, mercados apetecíveis. Agora imagine-se uma ferramenta capaz de eliminar as fronteiras linguísticas. Que em poucos minutos tanto traduz a comunicação de uma empresa italiana para os seus clientes em Singapura como uma reclamação em russo enviada para uma firma sediada no México.
É este o desafio e, ao mesmo tempo, o potencial da Unbabel, fundada em 2013 por cinco portugueses e que já conta com uma rede de 50 mil tradutores em todo o mundo. Qualquer pessoa se pode candidatar e, caso supere os testes de admissão, recebe de 8 a 20 dólares à hora, dependendo da qualidade e velocidade de execução. O trabalho é acelerado por uma tradução automática prévia, através de um software desenvolvido pelos engenheiros da Unbabel. Também aqui tempo é dinheiro. E todo este processo, que combina inteligência artificial com edição de texto pela mão humana, decorre entre o envio de um email e a entrada na caixa de mensagens do destinatário, onde chega já decifrado na sua língua-mãe. Para multinacionais já estabelecidas ou startups à procura de uma afirmação global, a solução surge como alternativa “a equipas de apoio ao cliente espalhadas pelo mundo inteiro a falar as várias línguas, o que torna tudo mais difícil de escalar”, sublinha Vasco Pedro, 41 anos, cofundador e CEO da empresa.
Pinterest, Microsoft, Rovio ou Skyscanner são alguns dos 87 clientes que hoje subscrevem o serviço, disponível em 28 línguas. Após três anos com o foco na melhoria do produto, as receitas dispararam a partir do momento em que a equipa de vendas entrou em campo, em janeiro passado. Ao todo, são agora 70 empregados, quando nem há um ano não passavam dos 25. O resultado é um crescimento de 1200% ao nível das receitas, que vão aproximar-se dos três milhões de dólares em 2017. Nos próximos dois anos, aponta Vasco Pedro, “o objetivo é crescer dez vezes”, para a fasquia dos 30 milhões, num plano que passa por aumentar a equipa em São Francisco e abrir escritório em Nova Iorque e depois na Ásia, em Singapura ou na China, “uma oportunidade enorme”.
Pensamento global desde a origem
Por enquanto, a esmagadora maioria dos trabalhadores da empresa opera a partir da sede em Lisboa, o que empurra o CEO para um vaivém constante, uma vez que a grande fatia dos negócios são feitos nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, onde a Unbabel se faz representar. Só nas últimas semanas, entre contactos com investidores e clientes e a participação em conferências para promover a Unbabel, Vasco Pedro andou por Londres, Edimburgo, Paris, Amesterdão, Madrid, Boston, São Francisco e deu um salto à China. Muitas vezes viaja acompanhado por Wolfgang Allisat, o alemão que lidera a equipa comercial. “Acho que desde janeiro tenho estado mais tempo com o Wolf do que com a minha mulher”, ri-se, a partir de Boston, onde se encontrava quando falou com a VISÃO (via Skype), este pai de quatro filhos.
As scaleups (startups que angariaram mais de um milhão de dólares em investimento) europeias que abrem escritórios no estrangeiro, como a Unbabel, captam mais 30% de capital do que as ‘domésticas’, segundo as contas da plataforma Startup Europe Partnership. No caso das portuguesas, o fosso é ainda mais significativo (44%). Mas mais importante do que o acesso facilitado a investidores e clientes é “a ligação aos centros de inovação, ver o que os outros estão a fazer, entrar na conversa”, nota o CEO da Unbabel, que já levantou 8 milhões de dólares em rondas de investimento e apontou, desde o primeiro dia, ao mercado global.
Tendo em conta o conceito do serviço disponibilizado – eliminar toda e qualquer barreira linguística -, não poderia ser de outra forma. Mas não é propriamente uma originalidade, por estas bandas. A ambição de construir um negócio à escala mundial parece hoje bastante transversal no ecossistema português de startups. E o segredo do êxito pode passar por aí, como sugere Vasco Pedro: “Em França ou em Espanha, o mercado é grande o suficiente para se poder pensar numa empresa de pequena ou média dimensão, mas depois torna-se mais difícil a escalabilidade a nível mundial. A vantagem das startups portuguesas é pensarem desde o início no mercado global.”