Como a espada de Dâmocles, a deflação é uma arma apontada à Europa. Nos últimos tempos, o grande combate de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, tem sido este, mas os remédios do BCE não parecem estar a curar a “doença”.
A deflação é, simplesmente, o contrário da inflação. Quer isto dizer que os preços no consumidor não só não aumentam como têm diminuído. Parecem boas notícias? Não são. Na expetativa de que os preços baixem ainda mais, empresas e particulares começam a adiar as suas compras. Não havendo consumo, a economia fica estagnada.
Esta é uma armadilha na qual Mario Draghi não quer cair. Na semana passada, o presidente do BCE anunciou um pacote de medidas para colocar mais dinheiro a circular na economia e assim fazer aumentar o consumo. É mais um paliativo? A palavra aos economistas:
O que representa a deflação nesta Europa em que vivemos?
Ricardo Paes Mamede
“A deflação é simultaneamente um sintoma de problemas e uma causa de problemas. Em geral, uma economia que está a crescer é caracterizada por uma subida geral dos preços (inflação). Pelo contrário, a deflação reflete geralmente problemas nas economias – fraca confiança dos agentes económicos, excesso de oferta, etc. Para além disso, cria problemas: leva ao adiamento de decisões de consumo e investimento, aumenta o peso da dívidas contraídas no passado face aos rendimentos presentes, etc.”
João César das Neves
“A deflação em si é apenas uma valorização da moeda e, se for moderada, não tem grande mal. O seu problema é a causa. Ela é, antes de mais, sinal da terrível desconfiança que assola a Europa. Apesar de todos os esforços de emissão de moeda, ela persiste. É essa teimosia que pode ser muito grave.
Como se combate a deflação?
Ricardo Paes Mamede
“Os principais bancos centrais do mundo estão há alguns anos a tentar combatê-la através de políticas monetárias expansionistas, com muito pouco sucesso. Já pouco resta aos bancos centrais do que a possibilidade que os economistas chamam de ‘dinheiro de helicóptero’, ou seja, uma medida nada convencional que consiste em emitir dinheiro e distribuí-lo diretamente pela população, de modo a forçar a subida dos preços. Não é impossível, mas é pouco provável que venha a acontecer. Mais razoável seria que o esforço das autoridades de política monetária fosse acompanhado de políticas orçamentais mais expansionistas – ou seja, o contrário do que tem vindo a ser feito, já que a consolidação orçamental continua a ser apresentado como objectivo prioritário a este nível.”
João César das Neves
“A forma direta de combater a inflação é a emissão de moeda. Normalmente funciona muito bem, exceto quando a moeda emitida não é usada. A dificuldade que esse remédio tem tido para funcionar vem do facto de a moeda realmente nunca chegar à economia. Ela fica retida nos bancos, nas empresas e nas famílias, precisamente por causa do medo e da desconfiança quanto ao futuro. O que significa que o remédio só resulta se forem eliminadas as raízes de desconfiança, que são estruturais e mais profundas do que a moeda.”
A deflação pode pôr em causa o projeto do Governo português, de fazer a economia crescer com base no consumo?
Ricardo Paes Mamede
“O aumento da inflação é fundamental para a estratégia que está a ser prosseguida pelo governo. Uma mais rápida subida dos preços alivia o peso da dívida pública e privada sobre o PIB (assumindo que não penaliza fortemente as exportações). O aumento dos rendimentos e a taxa sobre os produtos petrolíferos apontam nesse sentido. Mas podem não ser suficientes.”
João César das Neves
“O projecto de crescimento sustentado no consumo é uma simples manobra demagógica, sem grande base na realidade económica real do País. Quando a poupança está no seu valor mínimo histórico, estimular o consumo pode dar muitas coisas, mas nunca crescimento sustentado. Por acaso, a deflação até pode ajudar o Governo – porque esse projeto vai falhar, como sempre falharia, mas o Governo pode dizer que a culpa não é dele, é da deflação.”