Agostinho Faria já nem sabe o que pensar. Nem o que seria melhor: a fábrica fechar ou sobreviver. “O ambiente está fraco. De momento, já quase toda a gente preferia que a fábrica fechasse, para não andarmos nesta situação de trabalhar e não receber.”
A indefinição vai moendo os nervos de todos os trabalhadores da têxtil-lar Domingos Almeida, de Vizela, Vale do Ave. Em Março, Agostinho Faria viu a sua mulher, Patrícia Oliveira, e mais 25 colegas, receber o aviso prévio de despedimento colectivo. Em meados de Abril, viu outros tantos trabalhadores da empresa reduzirem os horários, ao abrigo do regime de lay-off. “Ficou menos de metade do pessoal a trabalhar”, diz Agostinho. No próximo mês, a 2 de Junho realizar-se-á, no Tribunal de Guimarães, a primeira assembleia de credores da têxtil, após esta ter entrado com o pedido de insolvência. O que é que o futuro lhes reserva? O presente, sabem-no bem, é viver com o coração nas mãos.
A fábrica está cada vez mais vazia. Dos 58 trabalhadores, ficaram cerca de vinte. Os restantes entraram em paragem por seis meses, o período máximo que a lei permite, numa “situação de crise empresarial”, por “motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos”. E uns decidiram ficar em casa, outros resolveram trabalhar só de manhã ou dois dias e meio por semana. A empresa – cujo dono, Domingos Almeida, apesar das insistências da VISÃO, não prestou declarações – passa, assim, a ter de assegurar aos trabalhadores apenas uma retribuição mensal equivalente a dois terços do seu ordenado habitual ou, então, o salário mínimo nacional. Com a vantagem de 70% desse salário passar a ser pago pela Segurança Social (das contas da empresa saem somente os restantes 30 por cento). Se há quem chame ao regime de lay-off uma forma enviesada de financiamento das empresas, a verdade é que esta ganha tempo para respirar e não avançar com despedimentos de trabalhadores que lhe podem voltar a ser úteis, numa situação de retoma.
Ilegalidades
É o que têm feito muitas das empresas dos mais variados sectores. Alguns exemplos: em Abril, a Yazaki Saltano colocou 786 trabalhadores em lay-off parcial até Setembro; em Maio, a metalúrgica Oliva fez o mesmo a 189 empregados; também recentemente, a Cifial, empresa de Ludgero Marques (ex-presidente da Associação Empresarial de Portugal) socorreu-se deste regime para reduzir o horário de 190 trabalhadores; a Faurecia, de componentes do sector automóvel, seguiu as pisadas da maioria das empresas da sua área, como a Peugeot-Citroën (800 trabalhadores em lay-off) e pôs 422 funcionários em part-time; e a Qimonda optou por esta via, envolvendo 800 trabalhadores, até que se decida o seu futuro…
De acordo com os dados mais recentes do Ministério de Trabalho e Solidariedade Social, o número de processos de lay-off já aprovados mais que triplicou e, a 24 de Abril, havia 192, abrangendo 10 539 trabalhadores. O que implicou a saída de quase 2 milhões de euros a título de compensações salariais da Segurança Social.
Mas houve quem, terminado o prazo de lay-off, regressasse à empresa e a encontrasse fechada, como os trabalhadores da Madex, de Paços de Ferreira, após terem estado parados nos meses de Fevereiro, Março e Abril.
Os sindicatos queixam-se de situações ilegais, nem sempre devidamente negociadas com os trabalhadores, e de falta de fiscalização dos processos. Muito mais quando a Segurança Social entrega a comparticipação à empresa e esta é que, completando o valor restante do ordenado, efectua o pagamento ao trabalhador.
Durante o período de redução ou suspensão do contrato, os trabalhadores têm direito a receber, pelo menos, a retribuição mínima mensal legalmente garantida; a manter as regalias sociais e prestações da Segurança Social e, dado importante, a exercer outra actividade remunerada fora da empresa, para completar o seu rendimento. Continuam a ter direito aos subsídios de férias e de Natal (este pago em parte pela Segurança Social) por inteiro. Só em caso de doença, terão de continuar com o ordenado correspondente ao lay-off, perdendo direito ao subsídio da Segurança Social.
Renegociar a casa
Os trabalhadores em lay-off da Domingos Almeida estavam ainda à espera de “receber a folha” para ficarem a saber quanto vão ganhar. O que Agostinho sabe é que, mesmo não tendo ido para lay-off, nem quer ver a cara do patrão, pois há salários que ainda não estão pagos na totalidade. Numa reunião, ouviu este dizer que “pagar assim é uma estratégia”. E não se conforma: “É uma estratégia dele. E nós, que ficamos sem dinheiro, o que fazemos? Não é justo. Até saí da reunião.”
Mas, na segunda-feira, 11, o casal do Vale do Ave que a VISÃO está a acompanhar teve uma boa notícia. Pela primeira vez desde há uns meses, receberam o ordenado de Abril na totalidade. “Isto estava mesmo a ficar complicado, mas parte do dinheiro vai direitinho para o banco”, para as prestações da casa e do carro (que caem na conta, no dia 1) as quais já estavam em atraso. “À medida que vamos recebendo, vamos pagando.” O casal alargou o prazo do empréstimo da casa de 25 para 40 anos, o que ajudou a baixar a prestação mensal. E está a tentar interromper o pagamento durante um ano, ficando a saldar apenas os juros. Até ver o que dá.
Para compensar, Patrícia, mulher de Agostinho, passou a ajudar uma cunhada a servir à mesa, num restaurante, aos domingos – por seis horas de trabalho, ganha 25 euros. “A minha cunhada também ajuda no governo da minha casa, com coisas que traz do restaurante”, diz.
Na passada semana, o casal fez a relação dos seus créditos para apresentar em tribunal. Em caso de falência da empresa de têxteis-lar, receberia cerca de 20 mil euros, indemnização incluída. Mas a Domingos Almeida – que era um dos grandes fornecedores da Zara Home, do grupo espanhol Inditex – tem cerca de uma centena de credores a reclamar o pagamento de dívidas, que já somam mais de 7 milhões de euros. À cabeça, com mais de um milhão de euros, estão a Caixa de Aforros de Vigo, Ourense e Pontevedra.
Entre o lay-off, os salários em atraso e a falência, Agostinho e Patrícia só pensam: venha o diabo e escolha.
NÚMEROS
‘Lay-off’ triplicou
>> 10 539 pessoas foram, desde o início do ano, abrangidas por processos de lay-off (dados de 24 de Abril de 2009) >> 3 743 novos casos, só em Abril, quase três vezes mais que em Janeiro. >> 192 processos entrados e validados desde o início do ano >> 76 processos, em Abril
Fonte: Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social