Patrícia Mamona brindou-nos com um desempenho fantástico, assombroso e inspirador, conquistando a medalha de prata no triplo salto, nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020, num perfeito exemplo de superação, no momento e lugar mais exigentes.
Os apaixonados do desporto não podem ficar indiferentes a esta atuação memorável. Quem diria há algumas décadas que Portugal iria somar medalhas Olímpicas nas disciplinas técnicas do atletismo? Num evento para o qual os melhores do mundo se preparam durante anos, em que todos querem estar na sua melhor forma de sempre, conseguir pulverizar a sua melhor marca pessoal, com distinção e de referência mundial (‘clube dos 15 metros’) é sinal de talento, mas também de uma preparação detalhada e programada, pois num feito destes não há sorte nem acasos. A este nível todos os detalhes da preparação técnica e desportiva fazem a diferença entre o “azar” e a subida ao pódio. É para reduzir essa margem que deve existir um Projeto Integrado de Desenvolvimento Desportivo, a funcionar sob a responsabilidade da tutela, em articulação com as Federações Desportivas, no qual o alto rendimento deve estar integrado como um todo.
Não devemos capitular nem continuar a viver da geração espontânea. Nem podemos cair na tentação, infelizmente cada vez mais generalizada, de iniciar um processo de importação de atletas. Do mesmo modo, de pouco vale a deteção desenfreada entre a população, medindo, pesando e testando com o único objetivo de encontrar os mais dotados para, eventualmente, um dia poderem lutar por medalhas. Por isso, é necessário caminharmos para a construção de um projeto integrado em que cada uma das partes diretamente implicadas (Estado, Comité Olímpico, Comité Paralimpico, Federações, clubes, escolas e famílias) cumpra vocacional e responsavelmente as suas funções sem quaisquer tentações autoritárias.
Em linha com as boas práticas, devemos procurar aumentar o nosso nível desportivo através de um equilibro entre uma base de praticantes e a elite que, nos regimes democráticos, deve emergir dessa base alargada. Para tal, requere-se um investimento consistente e robusto na prática desportiva. Se, por um lado, o Estado não pode abdicar das suas responsabilidades inalienáveis em matéria de desenvolvimento do desporto , por outro lado, o Estado não deve assumir a totalidade do processo de desenvolvimento do desporto, coartando a capacidade de iniciativa à generalidade das pessoas individuais e coletivas.
Se não éramos o pior país do mundo no desporto quando não conquistámos medalhas nos primeiros dias dos Jogos Olímpicos de Tóquio2020, as medalhas não nos tornam nos melhores do mundo. Aliás, longe disso! Se quisermos convergir com os índices de prática desportiva e com a média de medalhas em Jogos Olímpicos conquistadas pelos países europeus, com um nível de desenvolvimento económico e social similar ao nosso, temos de avaliar e eventualmente rever os princípios e os valores que estão a determinar o nosso fraco nível de desenvolvimento desportivo. De facto, temos uma situação desportiva que se sustenta, essencialmente, no sucesso individual de atletas extraordinários, mas falha, na sua estrutura e dinâmica de funcionamento que carece, à partida, de mecanismos de avaliação e de controlo credíveis. Corrigir esta situação será certamente o grande desafio dos próximos Ciclos Olímpicos.
Entretanto, e até aos Jogos terminarem, devem os nossos atletas estar focados em conseguir as suas melhores prestações e os demais não cavalgar no discurso, fácil e pernicioso, de que somos os melhores do mundo, pois uma consulta ao medalheiro olímpico e ao Eurobarómetro rapidamente nos fazem descer à dura realidade – feita de factos e de resultados objetivos, concretos, mensuráveis.