Duas irmãs vão parar a um bordel, fugidas da casa de um pai austero que lhes queimava as mãos no fogo quando se portavam mal. A Rapariga das Luvas (já se percebeu o porquê de usarem luvas…) é um filme de ficção imaginado por Manoel de Oliveira, nos idos anos 30 do século passado, numa época anterior a Aniki Bobó, e que João Botelho tem estado a filmar no Porto como forma de homenagear o cineasta falecido em abril passado. É “um melodrama terrível da condição humana”, conta-nos Botelho, no meio das filmagens no Palácio da Bolsa, um dos cenários do filme totalmente rodado no Porto (também nos jardins de Serralves e Grande Hotel de Paris). O cineasta conheceu a história imaginada por Oliveira (mas nunca filmada por ele), durante uma das muitas conversas que manteve com o realizador. Teria uns 27 anos quando o conheceu durante a rodagem de Amor de Perdição. “Passeava com ele pela Avenida da Liberdade, em Lisboa, para cima e para baixo”, recorda. Este será “um filme para devolver a bênção que o Manoel me deu quando comecei a filmar.” A preto e branco e mudo (o nome original era Prostituição ou a Mulher que Passa), a ficção terá a duração de meia hora, e constitui a parte final de um documentário mais alargado acerca das técnicas de cinema que Oliveira nos deixou. “Fez sempre um cinema antes do seu tempo”, lembra Botelho.
Uma aula sobre o mestre
O documentário, narrado na primeira pessoa (com a voz do próprio João Botelho) mistura as técnicas de cinema usadas por Manoel de Oliveira nas suas diferentes obras cinematográficas, com episódios, histórias e conversas mantidas entre estes dois homens do cinema, com 41 anos de diferença, que se tornaram amigos – “Desde a primeira manifestação de um cinema de montagem em Douro Faina, Fluvial, à ideia da falsidade, de mostrar a construção da emoção e o artifício do cinema em Benilde ou a Virgem-Mãe, até ao grande Amor de Perdição que, para mim, é o melhor filme na história do cinema português, um filme em que os heróis não são os personagens, mas os textos”, realça o cineasta. O elenco desta ficção conta com as participações de Leonor Silveira, a atriz fetiche de Oliveira (protagoniza a dona do bordel), António Durães (pai da rapariga das luvas), Maria João Pinho (a irmã mais velha) além da participação discreta de várias figuras do Porto.
Com o título provisório Sequem as Lágrimas, Ouçam a Pintura das Palavras – o Cinema segundo Manoel de Oliveira este filme a dois tempos – que funcionará, também, como “documentário didático para as escolas, algo que fica para as próximas gerações” – deverá estrear em abril ou maio de 2016, um ano depois da morte do realizador. O filme, produzido pela Ar de Filmes, conta com o apoio da Câmara Municipal do Porto e da RTP.