Houve um tempo em que o novo assessor parlamentar do Chega receava o regresso e o reforço da extrema-direita na Europa. E nem foi há muito tempo. “Um dos perigos da democracia”, escreveu Paulo Ralha a 14 de novembro de 2018 na sua coluna de opinião no Jornal de Barcelos, “são as derivas populistas e antidemocráticas”. Pelo meio, questionou-se: “O que conduz cidadãos livres, que vivem em regimes democráticos, a elegerem líderes políticos populistas e antidemocráticos, que de forma camuflada ou declarada, defendem o regresso das ditaduras?”. Para ele, a democracia apresentava-se então como “o regime político mais ingénuo que existe, ao permitir que durante a sua vigência nasçam e se desenvolvam no seu interior forças partidárias e movimentos que têm por objetivo o seu fim”.
O ex-líder do STI e cabeça-de-lista pelo Chega em Coimbra nas últimas legislativas confirmou à VISÃO que aceitou o convite para ser assessor do grupo parlamentar do partido nas áreas de Economia e Finanças. Segundo explicou, falta apenas oficializar a cedência de interesse público por parte da Autoridade Tributária (AT), à qual Paulo Ralha mantém o vínculo. O novo membro do gabinete de apoio aos doze deputados da direita radical populista aderiu ao Chega depois do congresso de Viseu, realizado em novembro. Fê-lo por verificar “que havia um partido sem amarras ao passado e capaz de proporcionar uma nova etapa na democracia portuguesa”, justificou, em entrevista ao jornal i. Segundo Paulo Ralha, a força política liderada por André Ventura só é radical “no sentido de querer ir à raiz das coisas e mudar o País”.
O passado do ex-sindicalista fez-se, no entanto, à esquerda.
Ralha atribuiu a saída do PS, em 2019, a discordâncias relacionadas com a alegada proteção a pessoas “indiciadas em processos de corrupção”. Fontes da direção socialista têm outra versão: Ralha, garantem, terá manifestado por diversas vezes a intenção de ser candidato a deputado ou a uma câmara, mas tais pretensões esbarraram sempre na recusa do partido. Da passagem pelo PS ficaram, contudo, boas relações com o ex-ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e Nuno Félix, antigo chefe de gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Apoiante da candidatura de Marisa Matias a Belém, em 2016, o antigo dirigente sindical explicou igualmente a desilusão com o BE: “Fiz um percurso no setor privado, embora infrutífero, e vi como é que vivia. Verifiquei também que era impossível angariar riqueza para o país com aquele combate que o Bloco de Esquerda pretende fazer. Ou seja, de taxar a riqueza, de taxar o capital”, afirmou. Também aqui, a sua perspetiva sobre estes assuntos já foi outra.
Quando, em maio de 2013, o então presidente do STI interveio no XI Congresso da Corrente Sindical Socialista da CGTP-IN, subordinado ao tema “Pelo Estado Social, Combater a Direita!”, fê-lo com um apelo à “convergência” de movimentos sociais e insurgiu-se contra a “falácia” de que o Estado não tinha dinheiro para pagar os custos da Saúde, da Educação e da Segurança Social. “É falso!”, garantiu, apontando o dedo noutra direção: “É vergonhoso que o capital, que tem milhares de milhões em lucros, continue completamente ausente do esforço que é exigido aos portugueses”, afirmou, anos antes de protagonizar uma guerra de alta intensidade com o Governo de Pedro Passos Coelho a propósito do caso da Lista VIP que vigorava na Autoridade Tributária para proteger os dados fiscais de contribuintes famosos, politicamente relevantes.
O amigo André…
Frustrado o lugar de deputado, Ralha acabou “repescado” por Ventura para prestar assessoria parlamentar ao Chega. O convite não terá sido propriamente surpresa: o plano B terá ficado apalavrado entre ambos, caso o candidato falhasse a eleição para a Assembleia, soube a VISÃO de fontes partidárias.
Os laços de amizade de Paulo Ralha com o líder da direita radical populista são, nas palavras do primeiro, “de longa data”: conheceram-se na AT e remontam ao tempo em que Ventura ainda militava no PSD. Apesar das diferentes convicções políticas – à época, pelo menos – e das distintas simpatias clubísticas (o ex-sindicalista é do FC Porto e o líder do Chega benfiquista) a amizade consolidou-se.
Ventura teve até colaboração esporádica com o STI, no tempo da liderança de Paulo Ralha. A 9 de fevereiro de 2018, deu, durante seis horas, formação de âmbito fiscal aos sócios do sindicato, ação pela qual recebeu 300 euros, com base na tabela do STI para todos os formadores recrutados. Tal como personalidades de outros quadrantes políticos e profissionais distintos, Ventura foi também convidado a escrever para a revista do sindicato. No único artigo da sua autoria, publicado em junho de 2016, defendeu o direito à liberdade de expressão dos funcionários públicos, considerando “uma tremenda anomalia jurídica” invocar o sigilo ou as garantias de imparcialidade como fundamento para cercear opiniões.
…e o amigo Tiago Caiado Guerreiro
Um elo comum a ambos é Tiago Caiado Guerreiro, antigo patrão de Ventura na sociedade de advogados Caiado Guerreiro e na consultora Finpartner, entre 2018 e meados de 2020. Durante meses, o então deputado único do Chega acumulou o lugar de deputado com a de prestador de serviços naquela empresa especializada em planeamento fiscal, vistos gold e imobiliário de luxo. Especialista em Direito Fiscal, Tiago Caiado Guerreiro foi, em 2019, contratado por Paulo Ralha, então presidente do STI em funções, para o defender em processos judiciais. “Não consultei o André sobre isso”, atalha o próprio ex-sindicalista à VISÃO. “Falei com o Tiago, de quem sou amigo há uns anos, e ele aceitou defender-me”, explicou.
Os custos com este advogado externo – quando o sindicato dispõe de gabinete jurídico para o efeito – foram alvo de uma denúncia ao Conselho Disciplinar. Em 2019, o STI pagou a Tiago Caiado Guerreiro quase 32 500 euros por serviços jurídicos prestados no âmbito da defesa do presidente em dois processos: num, Paulo Ralha era acusado de difamar outro sindicalista e acabou condenado a pagar uma indemnização de mil euros. Noutro, ainda em curso, alega ser vítima de violação de correspondência eletrónica por parte de Hélder Ferreira, dirigente da AT com quem mantém conflitos judiciais há longos anos.
A 8 de setembro do ano passado, e na sequência de um inquérito levado a cabo pelo Conselho Disciplinar do STI, “ficou demonstrado” que as despesas judiciais com Tiago Caiado Guerreiro “diziam respeito a litígios pessoais entre sócios” e não estavam relacionados com o desempenho de funções. Concluiu-se assim pela “irregularidade” no pagamento das faturas, cujos valores não poderiam ser assacados ao STI. A infração que, em circunstâncias normais, daria origem a um processo disciplinar e a uma queixa no Ministério Público, acabou, no entanto, por ser arquivada por prescrição de prazos. “Apesar do exposto e do que ficou provado, considera-se que os atos praticados pela direção nacional à altura dos factos foram censuráveis e patrimonialmente lesivos ao sindicato”, lê-se na decisão, a que a VISÃO teve acesso. “Estava a defender os interesses do sindicato”, mantém Paulo Ralha que, entretanto, recebeu uma carta do STI informando-o de que o sindicato deixou de pagar os honorários à sociedade de advogados de Tiago Caiado Guerreiro. O processo continua a seguir os seus trâmites e, embora não tenha sido necessário efetuar novos pagamentos, Ralha promete recorrer de novo àquela estrutura sindical quando for caso disso.
Negócios frustrados com chineses
No final de 2019, Paulo Ralha deixou o STI e aventurou-se no mercado, tendo para tal solicitado uma licença sem vencimento à AT. “Ele estava um bocado pendurado e eu tinha um acordo para assessorar uma empresa chinesa de construção civil que queria investir em Portugal e candidatar-se a obras públicas. Sugeri-lhe que entrasse como comissionista arranjando contratos e parecerias”, explicou à VISÃO, Reinaldo Teixeira, amigo de Ralha há vários anos e dono da Linkglobal, que se apresenta como sociedade gestora especializada em aproximar investidores internacionais de projetos portugueses.
Na página oficial na Internet, a empresa garante ser também qualificada para encontrar “soluções de negócio para investidores em visto gold, através de transferência de capitais destinados à aquisição de unidades de participação em fundos de investimento”, mas Reinaldo Teixeira garante que, de momento, não aposta nessa área. “Quando aparece alguma coisa nesse âmbito encaminho para a sociedade do meu amigo Tiago Caiado Guerreiro. Lá é que trabalham mais esses negócios”. Quanto ao projeto em que envolveu Paulo Ralha, confessa que o início de 2020 ainda permitiu alimentar boas expetativas. Mas a pandemia deitou tudo a perder. “Os chineses tinham grande capacidade financeira e até queriam trazer funcionários, mas acabaram por recuar e não chegámos a fazer nada”, lamenta o empresário, maçom assumido, iniciado na Loja Lusíadas Renascido, de Guimarães, do Grande Oriente Lusitano. Apesar da amizade entre ambos, Ralha nega ligações à maçonaria e admite a “frustração” pelo facto de aquela experiência empresarial ter morrido “praticamente à nascença”. Segue-se agora a aventura do Chega com outro amigo, André Ventura. À partida, muito mais radical.