A aclamação de Tudo o que Imaginamos como Luz, de Payal Kapadia, parece estar a levar os circuitos independentes de cinema a dar maior atenção a uma nova geração de cineastas indianos que trabalha à margem de Bollywood (que continua a ser a maior indústria de cinema do mundo).
Apesar de ter em comum a atriz Kani Kusruti, estrela do cinema indiano independente, Girls Will Be Girls segue por caminhos estéticos, narrativos e contextuais radicalmente diferentes da obra-prima de Kapadia.
Na sua primeira longa-metragem, Shuchi Talati, que estudou numa escola americana de cinema, centra a ação num colégio interno, de pedagogia e moralidade conservadoras, que recebe os filhos de uma elite indiana. Encontram-se no contexto afinidades naturais com François Truffaut (Os Quatrocentos Golpes) ou António Campos (Afterschool).
Girls Will Be Girls é um filme sobre o crescimento e a descoberta da sexualidade, num ambiente particularmente conservador e inibidor. É esse ambiente que dá ao filme uma aparente carga de inocência pueril que não seria possível em comunidades mais progressistas. Naquele colégio interno tudo é proibido e presidem preceitos morais: as raparigas são aconselhadas a manter a dobra da saia abaixo do joelho e a evitar falar demasiado com rapazes.
Neste contexto, Mira, uma aluna exemplar, apaixona-se timidamente por um novo colega. O controlo social é elevado, mas a sua mãe, com quem tem uma relação turbulenta, acolhe o rapaz, tornando-se este frequentador habitual da casa – ainda que tal vá contra as normas da escola. A par da quase inocente descoberta da sexualidade, o filme ganha com a relação ambígua que se estabelece entre o rapaz e a mãe dela, com movimentos que ultrapassam meras insinuações. Isso, de alguma forma, sugere uma sexualidade reprimida do lado da própria mãe, mas também um outro tipo de controlo sobre a filha.
Girls Will Be Girls encena uma batalha moral, cheia de perigos, ilusões e desilusões, filmada com tal sobriedade e segurança que até custa a crer que seja uma realizadora estreante nas longas-metragens. Não segue o deslumbre fotográfico de Kapadia, mas compensa com toda essa segurança e um elenco de inegável qualidade.
Girls Will Be Girls > De Shuchi Talati, com Preeti Panigrahi, Kani Kusruti, Kesav Binoy Kiron > 118 min