Em palco estão duas mulheres com o mesmo nome (Mary), um percussionista e um homem chamado John Kane. Não sabemos ao certo que idade tem o homem, mas é nele que se centra a ação. Estamos num hospital, numa instituição ou coisa que o valha, e John foi ali parar, isso sabemos, porque os pais e o médico da cidade assim o desejaram. Desconhecemos há quanto tempo, ele próprio não sabe.
Depois de peças como Disco Pigs, Acamarrados e A Farsa da Rua W., Remédio – que os Artistas Unidos apresentam até 16 de dezembro – é o regresso do dramaturgo irlandês Enda Walsh ao Teatro da Politécnica. “Nas peças de Enda Walsh, há sempre uma clausura, sempre alguém que está preso num sítio”, comenta, à VISÃO Se7e, o encenador António Simão.
Estreada em agosto de 2021 no Traverse Theatre, no Edinburgh International Festival, Remédio aborda, sobretudo, aquele tema que habitualmente se designa como “saúde mental”. Merecia ser um êxito de público, pela dobradinha que é: excelente texto e excelentes interpretações a cargo de Íris Runa, Maria Jorge e Rúben Gomes.
A narrativa não corresponde a um contínuo; há fragmentos dispersos, violência e ressentimento, memórias dolorosas, momentos pouco felizes. John Kane passa quase todo o tempo de pijama, mas não é só da roupa pessoal que o doente – se é que de um doente se trata – está despojado. John Kane também não tem poder de decisão, não concorda nem discorda do que decidiram por ele, pelo que se fica com a sensação de que está ali mas que poderia estar noutro sítio qualquer. Permanece, por esse motivo, à mercê da terapia que as Marys, elas próprias também enclausuradas na profissão de atriz, lhe prepararam.
A bateria dá o tom, as Marys entram em cena para, digamos, tratar da saúde de John Kane. E nunca mais saem: a peça converte-se numa sessão de terapia, que envolve um emaranhado de técnicas pouco prosaicas, incluindo o confronto com recordações duras, música aos altos berros e figurinos absurdos de outros trabalhos.
Passam os minutos, as horas e, porventura, até os dias. John Kane não apresenta melhorias visíveis, mas a verdade é que pior também não está. “Todas as minhas peças são sobre pessoas que não foram amadas ou cuidadas”, disse Enda Walsh ao The Guardian, em 2021. Dica para o fim: John Kane só precisa, como qualquer ser humano, que lhe deem a mão.
Remédio > Teatro da Politécnica > R. da Escola Politécnica, 54, Lisboa > T. 96 196 0281 > até 16 dez, ter-qui 19h, sex 21h, sáb 16h e 21h > €10