Quando se mexe em retratos históricos, é costume fazê-lo com pinças, para não melindrar a alma sensível de historiadores. Porém, curiosamente, a polémica em torno deste Jeanne du Barry– A Favorita do Rei não vem da perspetiva feminista sobre a amante real, mas dos escândalos à volta das acusações de violência a Johnny Depp e à própria Maïwenn. Para a História ficará a obra – que é um belo filme de época, num estilo clássico aprimorado, como raras vezes se vê nas produções francesas recentes.
Contratar Johnny Depp para o lugar de rei no momento em que este era acusado de violência doméstica talvez seja a menor das ousadias. Ou até mesmo um sentido de oportunidade. Mais ousado é tudo o resto.
A realizadora e atriz, que já tinha sido premiada em Cannes, atreveu-se a assumir a tarefa complexa de recontar a história de Jeanne du Barry, com pormenores arrojados, colocando-se a si própria como atriz principal. O melhor paralelo talvez seja a Maria Antonieta de Sofia Coppola, só que Maïwenn não chega ao anacronismo provocador de pôr a rainha a dançar de ténis de marca, no século XVIII.
Em Jeanne du Barry, mais arrojada é a empreitada do que o objeto, que, salvo uma cena ou outra, como aquela em que a protagonista anda de gatas por cima da mesa, é de grande sobriedade. Porque polémica mesmo foi a figura desta mulher avant la lettre, filha de uma cozinheira e de um frade, que, para escândalo de muitos, acabou por se tornar amante do rei. Maïwenn faz da sexualidade de Jeanne uma forma de emancipação feminina, numa época em que as mulheres não tinham direitos, e da relação com o rei Luís XV, uma grande história de amor.
O filme é rico em pormenores e tem a elegância de, apesar da envolvência erótica, se escapar do óbvio nas cenas de sexo e nudez. A sensualidade é algo que paira acima de tudo e está intimamente ligada a um jogo de poder, mas num sentido bastante diferente de Valmont ou Ligações Perigosas. Jeanne du Barry é uma obra com grandiosidade, graciosidade e eloquência.
Jeanne du Barry – A Favorita do Rei > De Maïwenn, com Maïwenn, Johnny Depp, Benjamin Lavernhe, Melvil Poupaud > 113 min