Todo o dispositivo montado em palco dá uma força especial a esta peça: homens a interpretarem o papel de mulheres, vestidos de branco (em vez do preto que o tema da peça justificaria), e uma arquitetura cénica circular, com as cadeiras do público a perfazerem uma grande roda à volta do espaço central onde está a decorrer esta história. Até os passadiços para a logística técnica do auditório servem de primeiro andar d’A Casa de Bernarda Alba, o clássico de Federico García Lorca agora encenado por Hugo Franco, no Teatro da Comuna, e que marca o regresso de João Mota aos palcos, mais de 20 anos depois, no papel de Bernarda Alba. A experiência sonora é, por si, arrepiante – temos, por exemplo, a criada La Poncia, interpretada por João Grosso, a sussurrar-nos uma qualquer maledicência nas nossas costas.
O dia é de luto. Na casa de Bernarda Alba acabaram de enterrar o seu patriarca. Fala-se nesta peça da austeridade que inevitavelmente marca uma família de classe mais elevada, num meio rural, em nome dos bons costumes. Como se ouve na voz de João Mota a dada altura: “Tenho esta casa erguida pelo meu pai, para que nem as ervas se apercebam da minha desgraça.” A inflexibilidade é tanta que só podia ter consequências funestas. As seis filhas de Bernarda Alba são adultas e estão todas por casar; os corpos a arderem de desejos que não são satisfeitos. Mas não há homens na aldeia à altura do seu estatuto.
“É uma personagem com uma força interior muito grande”, diz João Mota sobre Bernarda Alba, ele que cumprirá 80 anos no penúltimo dia em que este espetáculo está em cena. “Tem de suportar o amor e o ódio todo daquela casa.”
Para João Mota, o desafio de interpretar um papel feminino reside, sobretudo, na capacidade de fazer sobressair a força da fragilidade. Quanto ao regresso à representação, diz: “Faz-me lembrar o primeiro dia em que dei aulas, um misto de ansiedade e pânico.”
No centro do palco, há apenas um pequeno banco de madeira. “Tenho sempre esta coisa de aproveitar ao máximo os espaços das encenações – ou ao mínimo, como acontece na cena com o banco”, diz Hugo Franco, referindo-se ao momento em que duas das filhas sobem ao assento e se entrelaçam, simulando estarem no quarto e a dormir juntas.
A Casa de Bernarda de Alba > Teatro da Comuna > Pç. de Espanha, Lisboa > T. 21 722 1770 > até 23 out, qua 19h, qui-sáb 21h, dom 16h > €7,50-€12,50