Se Alexandre O’Neill reencarnasse sob a forma de obra cinematográfica seria exatamente assim. Já noutros trabalhos João Botelho criou dispositivos para melhor acolher obras literárias no ecrã, mas em nenhum conseguiu chegar tão longe. Um Filme em Forma de Assim é um filme em forma de Alexandre O’Neill. Não é uma mera adaptação de um universo literário, este filme é O’Neill.
Botelho dedicou uma parte relevante da sua carreira a adaptar clássicos da literatura portuguesa. Só nos últimos anos fez O Ano da Morte de Ricardo Reis, de Saramago, A Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, e Os Maias, de Eça de Queirós. Este, contudo, aproxima-se mais do ainda anterior Filme do Desassossego (de 2010). Aí também subsistia a ideia de adaptar o inadaptável: a obra de Fernando Pessoa é, sobretudo, composta por aforismos, sem sombra de narrativa. Em Um Filme em Forma de Assim, também não há propriamente uma narrativa. Botelho socorre-se da biografia de Maria Antónia Oliveira e, à parte disso, usa apenas as palavras do próprio poeta.
Ao contrário de Pessoa, que vagueava pelas sombras, O’Neill exibe-se na luz. Um Filme em Forma de Assim é um musical, de cores garridas, feito de boémia e jazz. O próprio O’Neill, numa sede de vida, frenético e espirituoso, não cabe num só ator e desdobra-se sem perder a identidade multifacetada (curiosamente um dispositivo pessoano). O ritmo visual é dado pelos planos-sequência e os cenários magníficos à base de telões de um irrealismo teatral. Botelho já tinha usado cenários artificiais noutros filmes, mas nunca de forma tão omnipresente e ostensiva.
Não se tratando de um objeto narrativo, este filme deve ser encarado como um espetáculo musical com poesia à mistura. A música, muitas vezes coreografada, como se fosse teatro, domina o filme. O jazz dá o tom, mas inevitavelmente passa por música popular e fado, para acabar numa enorme festa trance, que traz O’Neill para os nossos dias. Poeta, publicitário, contista, boémio, O’Neill é, afinal, um eterno contemporâneo.
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Um Filme em Forma de Assim > De João Botelho, com Pedro Lacerda, Inês Castel-Branco, Cláudio da Silva, Crista Alfaiate > 101 min