“19 de Maio de 1954. É madrugada. Lua cheia. Acordei minha filha mais velha e pedi-lhe que escrevesse esta carta porque não sei as letras. Meu filho está dormindo no meu colo…” Este é o início da carta que a personagem Catarina-que-duvida lê em palco, e faz a ponte entre realidade e ficção no espetáculo Catarina e a Beleza de Matar Fascistas. Tiago Rodrigues baseou-se na noite em que Catarina Efigénia Sabino Eufémia foi morta, aos 26 anos, na Herdade do Olival, em Baleizão, durante uma greve de ceifeiras, morta a tiro por um agente da Guarda Nacional Republicana, o tenente Carrajola. Segurava um dos filhos ao colo. A Catarina-que-iniciou-a-tradição-na-família-de-matar-fascistas, ficcionada, é uma das ceifeiras que pertenciam ao grupo que reivindicava melhores condições de trabalho e melhores ordernados, liderado por Catarina Eufémia – que se tornou um símbolo na luta contra o Estado Novo. “Precisávamos de um mito original”, explica Tiago Rodrigues. “O primeiro fascista que é morto, em 1954, por esta família ficcionada é um homem que estava ao lado do tenente Carrajola e não fez nada. É o cúmplice de que fala a Hannah Arendt, ‘a banalidade do mal’.”
A ação de Catarina e a Beleza de Matar Fascistas passa-se em 2028, algures em Baleizão, no Alentejo. A extrema-direita está no governo com maioria absoluta e prepara-se para fazer alterações à Constituição. Quando chega a vez de Catarina (interpretada por Sara Barros Leitão), uma das mais jovens mulheres desta família, matar pela primeira vez, esta é incapaz de fazê-lo e o conflito instala-se. É esse o grande tema da peça: deverá um conjunto de pessoas ter o direito de violar as regras democráticas para manter a democracia? Devemos tolerar os intolerantes?
A banda sonora do espetáculo vai desde uma interpretação, pela espanhola Rosalía, de um flamenco tradicional cigano a um arranjo vocal feito por João Henriques a partir de cantares de mondadeiras italianas antifascistas dos anos 30 e 40 do século passado, que eram já a adaptação de uma canção bolchevique do início de século.
Após a estreia em Guimarães, em setembro passado, a nova criação de Tiago Rodrigues seguiu em digressão por várias cidades da Europa. O espetáculo chega agora a Lisboa para duas apresentações, nesta quarta e quinta, 9 e 10 de dezembro, no Centro Cultural de Belém. Em abril, será a vez do Teatro Nacional D. Maria II receber Catarina e a Beleza de Matar Fascistas.
Catarina e a Beleza de Matar Fascistas > Centro Cultural de Belém > Pç. do Império, Lisboa > T. 21 361 2627 > 9-10 dez, qua-qui 19h > €15-€20