Em 2002, Roberto Benigni realizou Pinóquio, uma adaptação do clássico de Carlo Collodi, mantendo todo o seu contexto infantil, e até mesmo infatilizante, em que o próprio Begnini fazia o papel do protagonista. Dezoito anos depois, na adaptação de Matteo Garrone, Begnini volta a ter um papel fulcral, mas faz de Geppetto. Esta é apenas uma das diferenças que torna o filme de Garrone uma obra maior.
O realizador italiano pôs de parte todos os (pre)conceitos herdados pela histórica adaptação da Disney e afins e restringiu-se metodicamente à essência do livro. O que faz com que estética e narrativamente o Pinóquio de Garrone esteja muito mais próximo da série de trabalhos de Paula Rego sobre esse tema do que de qualquer adaptação mainstream. Aliás, a componente pictórica do filme, com um excelente tratamento de cor, é evidente: parece que estamos permanentemente perante quadros vivos.
Antes de qualquer outra veleidade narrativa, Garrone faz um retrato semirrealista da época, que é sobretudo um retrato da pobreza. Um mundo de homens sujos, por barbear, sem terem o que comer, dispostos a enganarem o próximo por meia dúzia de moedas. É um mundo cruel onde ninguém deseja viver, em que o pobre e miserável Geppetto se torna vítima da sua ingenuidade. O fantástico sobrepõe-se ao real sem sombra de colisão. O universo fantasioso, de uma marioneta que quer ser menino, um grilo falante, um caracol em forma de gente e uma fada madrinha, não apagam a ruindade do mundo em volta, mas funcionam por vezes como uma fábrica de milagres.
Pinóquio apresenta-se aqui, tal como na versão da Disney, como um grande conto moral. De forma escancarada as mensagens todas estão lá: “vai à escola”, “não mintas”, “não procures a riqueza fácil”, “obedece ao teu pai”, “sê honesto e trabalhador”. Nesse sentido, tal como no livro de Collodi, esta é uma irritante cartilha moral passada de pais para filhos. Mas Garrone, nunca desvirtuando a sua essência, consegue transformar a história em algo verdadeiramente belo, com personagens encantadoras e bem desenhadas como o Gato e a Raposa ou o caracol. O ponto mais fraco, diga-se, é mesmo a interpretação, por vezes histriónica, de Benigni.
Pinóquio > De Matteo Garrone, com Federico Ielapi, Roberto Benigni, Rocco Papaleo > 125 minutos