Na maioria dos casos, no cinema independente, falar de spoilers é absurdo, pois os filmes não se fazem depender em demasia das peripécias do enredo. Em A Criada, endiabrado filme do sul-coreano Park Chan-Wook, a montanha russa do enredo é tudo, assim como em Os Suspeitos do Costume, de Bryan Singer, pelo que há que ser especialmente cuidadoso quando se escreve e se lê sobre ele.
Tal como o seu compatriota Hong Sang-soo (Noutro País, Sítio Certo Hora Errada), Park tem um certo gosto pela repetição da história, salientando a importância do ponto de vista. Só que enquanto Sang-soo faz disso um ensaio narrativo, de forma minimal, que nos obriga a estar atento aos pormenores e a corroborar uma tese; Park fá-lo de forma mais clássica, no sentido da revelação e complexificação do enredo, dando à recontagem uma inequívoca e estimulante utilidade narrativa.
A Criada é pois um desses filmes que nos estimulam pela capacidade narrativa de criar espanto e surpresa. Ao mesmo tempo, há um trabalho bem oriental na criação das personagens, com traços tão marcados quanto a BD Manga. E ainda uma recuperação do sentido erótico do cinema japonês e coreano dos anos 70. O Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima, não será uma grande inspiração, mas há uma referência indireta e irónica ao filme quando, perto do fim, a personagem se gaba de manter, ao menos, o sexo intacto.
A Criada passa-se durante a ocupação da Coreia pelo Japão, nos anos 30, em que há uma usurpação animal de poder. Neste contexto, uma rapariga é contratada para servir de ama da sobrinha de um excêntrico Senhor japonês, ávido de livros (sobretudo eróticos) e de uma rigidez ritualista, cruel e implacável. O filme desenha-se entre golpes e contragolpes, amores sentidos e amores fingidos, numa névoa de erotismo e crime que o tornam muito aliciante. Mas, sobretudo, realça-se o prazer de contar uma história.
A Criada > de Park Chan-Wook, com Kim Min-Hee, Kim Tae-Ri, Ha Jung-Woo > 151 min