
O novo filme de Larry Clark já não é sobre as dificuldades de comunicação com a geração mais nova – é sobre a incomunicabilidade
Numa praça de betão da grande Paris, jovens andam de skate num parque urbano improvisado. Entre escadas, rampas e corrimões, exibem a sua habilidade em habituais provas acrobáticas. Só que, naquele dia, há um novo obstáculo na pista, que depressa se torna a principal atração: um sem abrigo, bêbedo, ressacado, dorme imperturbavelmente, encostado a um canto, no chão. Os jovens saltam por cima dele, contornam-no, riem-se, aplaudem. Numa cena seguinte, dois jovens fazem languidamente amor em plena rua, perante o olhar divertido do seu grupo de amigos, numa orgia voyeurista filmada com um telemóvel. O novo filme de Larry Clark, filmado em França, já não é sobre as dificuldades de comunicação com a geração mais nova. É sobre a incomunicabilidade. E também o perturbante desprezo pelo outro, numa ausência de regras de tal forma radical que deixaria o movimento hippie siderado. Este realismo libidinoso de Larry Clark não é necessariamente uma fatia da realidade, pode muito bem ser um delírio pessimista de uma mente perturbada, que procura nas franjas podres das elites um espaço para o seu estilo realista sujo e contemporâneo. Ou uma caricatura de traços precisos de uma sociedade à beira de um abismo moral. Contudo, é impossível repetir o efeito de choque de Kids (1995), em que Clark pôs a América (e o Ocidente) em pânico, a perguntar-se “o que é feito do nossos filhos?”, tendo um papel semelhante no cinema ao de Bret Easton Ellis na literatura (sendo que Clark visou uma geração mais nova). À parte desse choque geracional, a grande revelação estética de Clark parte da sua formação fotográfica (tal como Steve McQueen). E,
desde Kids até este The Smell of Us, essa primazia da fotografia é um ponto essencial para entender a sua obra. Aliás, nos filmes Clark é impossível não sentir um arrebatamento estético apesar da brutalidade do contexto. Por trás de uma aparente crueza dos movimentos de câmara há uma linguagem estética que se desenvolve em cada plano, através do enquadramento e da composição do décor. Isto sem sombra de artificialismo, já que o realizador é especialista em manipular a realidade de forma a dar-lhe um tom mais realista. E até lhe dá cheiro… e som (ótima banda sonora). Não transforma tão-pouco os seus Kids em Enfants; não há especial adaptação à realidade francesa, apenas a utilização do cenário, desculpando-se com a americanização das juventudes europeias, expressa na canção de uma das personagens, que repete: “Eu prefiro o modo de vida americano”. The Smell of Us é um pesadelo de primorosa estética.
The Smell of Us > de Larry Clark, com Lucas Ionesco, Diane Rouxel, Théo Cholbi, Hugo Behar-Thinières > 92 min