Quando chegámos ao restaurante já havia tachos ao lume a fumegar, colheres na reserva, para depois soprar e provar; um tabuleiro com quatro pães, mais a faca de serrilha, favinha primavera pelada e cogumelos brancos.
No balcão do Marlene – restaurante aberto em 2022 no mesmo edifício do Zunzum Gastrobar, a outra casa de Marlene Vieira, mas virado para o rio Tejo – está tudo a postos para um almoço preparado à vista de todos.
A chefe de cozinha lidera a equipa com confiança e voz assertiva. A refeição seria composta por alguns dos pratos apresentados no programa Cozinha de Chef, cuja segunda temporada se estreou em março.
A primeira temporada, com aposta nos pratos icónicos feitos ao longo da sua carreira de duas décadas, correu bem, com “excelentes audiências”, 30 mil telespectadores por episódio e um alcance de 60 mil, como nos conta Diogo Alexandre, diretor do canal Casa e Cozinha. Só bons motivos para editar um livro de receitas que Marlene Vieira dedicou a todos os cozinheiros, pasteleiros, empregados de mesa, copeiros e tantas outras profissões ligadas ao serviço ao cliente.
Nos novos dez episódios de Cozinha de Chef (a partir desta segunda, 17), a cozinheira de 43 anos, natural da Maia, continua a percorrer diversas cidades do País para mostrar o que a inspira no receituário nacional, do continente e ilhas. “Chegaram a vir aqui jantar estrangeiros que viram o programa de televisão no hotel”, revela Marlene.
As novas receitas são agora empratadas sem flores, por exemplo, ou outros ingredientes que levavam algumas pessoas a desistir de fazer o prato. No entanto, mantém-se um “programa sem medo de mostrar a forma de cozinhar de um chefe profissional, com risco e atrevimento.”
TRADIÇÃO 2.0
A abordagem à receita regional é nova, mas a sua portugalidade fica intacta. Para fazer um arroz de polvo de tradição minhota, Marlene pega na receita original mas quer fazer diferente. Vai buscar técnicas novas ou outros sabores tradicionais para chegar à nova receita. “As técnicas, os utensílios, os equipamentos evoluíram, o que faz com que o receituário evolua também”, explica.
O almoço começa com finger food, um maki de Queijo São Jorge, ananás e presunto na vez da alga, uma potente e gulosa homenagem ao arquipélago dos Açores para comer à mão.
Segue-se um saltinho à Madeira, preparando um ceviche (prato de origem peruana) com o peixe-espada-preto, tradicionalmente pescado em Câmara de Lobos. Os cubos de peixe, de textura mais cremosa do que o cherne, a garoupa ou a corvina, são marinados em sumo de lima, maracujá, cebola roxa e leche de tigre. Uma entrada fresca e vibrante.
Vem aí a primeira prova de fogo, com mais um prato frio, agora da região ribatejana de Santarém. Quem tantas vezes na infância comeu contrariada língua de vaca estufada, conseguiu saborear e querer repetir a salada de língua de vaca cozinhada, fatiada finíssima como se de carpaccio se tratasse, com agrião e molho tonnato (feito com atum de conserva), em tudo semelhante ao vitello tonnato, típico prato italiano.
Na mesa, cada prato seria uma surpresa. Novo desafio para quem não aprecia as favas, ou melhor, a pele das favas. Pequenas, concentradas de sabor, servidas numa salada com tomate fresco cru e tomate assado a baixa temperatura, requeijão de ovelha e ovos de codorniz escalfados. Deliciosas, sem hesitações.
Em cada episódio, de 25 minutos cada, Marlene Vieira partilha duas ou três receitas e mais algumas dicas, como “se não tiver um ingrediente, substitua por outro”. “As pessoas podem dar asas à imaginação”, desafia a chefe.
COMER SEM PENSAR
Se, até agora, os frios estavam cinco estrelas, a fasquia elevou-se ainda mais para os quentes. De Leiria chega à mesa o aromático arroz de marisco confecionado com delicados percebes e rosadas gambas, apaladado pela verde salicórnia e servido em louça de barro preto, que salienta ainda mais as cores. É tanto sabor!
Também do mar e a aliar-se à tradição algarvia da serra de Monchique, as lulas recheadas com enchidos, arroz, tentáculos da lula e legumes, servidas com puré de couve-flor, cremoso.
Subimos ao Alentejo, até Portalegre, a cada garfada na empada de perdiz com cogumelos, e a Évora na boleia doce da sericaia. Em vez de uma fatia simples, foi enrolada e acompanha com gelado de ameixa de Elvas, natas ácidas e um toque de calda de ameixa. “Não se pensa quando se está a comer. Só se saboreia”, resume Marlene Vieira.
As andanças televisivas de Marlene não são novidade, pois antes de Cozinha de Chef, já tinha participado na RTP1 nos programas Chefs Academy (2013), A História da Gastronomia Nacional – Doçaria Conventual (2019) e Masterchef Portugal (2021). E há sempre imaginação para temáticas diferentes, como uma terceira temporada centrada em pratos clássicos internacionais, como bife Wellington. Ficamos à espera.
Cozinha de Chef > Casa e Cozinha > Estreia 17 jun, seg 21h > seg-sex 21h > 10 episódios