Teria sido um apoteótico final das Festas de Lisboa, junto à Torre de Belém, se o triste fado de 2020 não fosse o que se sabe. É fácil de imaginar que uma multidão teria acorrido a este espetáculo que juntava, em nome de Amália, os fadistas Camané, Ricardo Ribeiro e Ana Moura acompanhados pela Orquestra Metropolitana de Lisboa, um trio de guitarra portuguesa, viola e viola-baixo (José Manuel Neto, Pedro Soares, Daniel Pinto) e pelos músicos Ricardo Toscano, Mário Laginha e Gaspar Varela. Mas quis o destino que este No Tempo das Cerejas acontecesse intramuros. Literalmente. O espaço escolhido foi o do Castelo de São Jorge, numa noite secreta, a do passado dia 16 de julho. A organização quis evitar ao máximo fugas de informação que levassem curiosos a tentar espreitar este irrepetível concerto.
Um dos clichés associados a Amália Rodrigues é a imagem da sua postura de agradecimento, de braços abertos, recebendo grandes ovações. Neste concerto pensado para ser registado e transmitido na televisão (ou online, claro), percebeu-se bem como fazem falta as palmas no fim das atuações, ou até aquelas exclamações típicas do fado (“Ah, boca linda!”). Ouviram-se, por vezes, umas tímidas palmas da pequeníssima entourage composta por técnicos, profissionais do espetáculo, membros da organização (ou, então, alguns músicos da orquestra batiam com os arcos nos instrumentos como forma discreta de aplauso).
Mesmo sabendo que o silêncio é material precioso no mundo do fado, este em particular, no final das atuações, era da ordem do absurdo. Na televisão nem se vai notar e, num espetáculo de cerca de duas horas, vamos poder ouvir Camané cantando Com que Voz e Abandono com Mário Laginha no piano, Gaivota e Foi Deus na voz de Ricardo Ribeiro (este último com o jovem Gaspar Varela, cada vez mais seguro na guitarra portuguesa) ou Barco Negro e Vou Dar de Beber à Dor interpretados por Ana Moura com o saxofone de Ricardo Toscano.
No final ouviu-se Fadinho Serrano, com os músicos todos juntos em palco. E, logo a seguir, reinou o silêncio de uma noite quente de verão em Lisboa, com as ruas estranhamente vazias.
No Tempo das Cerejas > 30 jul, qui 22h30 > RTP1