Vestidos com calças com refletores e suspensórios amarelos, t-shirt branca e capacete de proteção, a lembrar a farda usada pela Proteção Civil, os guias dão as primeiras explicações aos visitantes na sala de entrada do novo Quake – Centro do Terramoto de Lisboa, instalado em Belém, nas traseiras do Museu Nacional dos Coches. Como usar a pulseira recebida na receção, procedimentos a ter durante a visita ou onde encontrar as instruções dos simuladores são algumas das indicações dadas, sem se revelar muito sobre o que vem a seguir. Afinal, o lema por aqui é “esperar o inesperado”, dizem Ricardo Clemente e Maria João Marques, responsáveis por este novo equipamento cultural dedicado ao terramoto de 1755, aberto ao público esta semana. Quando imaginaram o projeto, precisavam de um tema. “Chegámos ao do Terramoto pela elasticidade que tem, engloba História, Ciência, Cultura e Urbanismo, e pelo que representou para a mudança da cidade”, justificam.

A maior parte das pessoas relaciona o Terramoto com a destruição da Baixa, mas esse dia foi muito mais importante do que esta simples ligação e do que o plano urbanístico daí resultante. Pela primeira vez na História, aplica-se o pensamento científico para se tentar explicar estas catástrofes naturais, há medidas de proteção civil saídas das “providências”, iniciativas tomadas sob a orientação do futuro Marquês de Pombal, e pensamento sistémico aplicado a esta área. Desenvolvido por uma equipa com mais de 50 elementos, incluindo o historiador André Canhoto Costa e os sismólogos e professores Luís Matias e Susana Custódio, o Quake combina entretenimento com conhecimento. “Era fundamental conceder a toda a experiência – e aos conteúdos fornecidos – o rigor da informação histórica. Investigámos aspetos menos claros, como o papel de vários ministros na resposta ao Terramoto, e não só o do famoso secretário de Estado, Sebastião José de Carvalho e Melo”, diz André Canhoto Costa. “Alguns dos conteúdos mais interessantes prendem-se com a recriação da experiência pessoal das pessoas comuns, em que foi preciso reconstituir profissões, sensibilidades, instrumentos, sons e até vestuário, a partir de fontes escassas e de estudos algo incompletos”, esclarece o historiador. O que pensaria uma mulher escravizada naqueles dias? Como se sentiria um cirurgião, diante de todos os preconceitos acerca do estudo e da experiência em cadáveres, de súbito convocado a salvar centenas de vidas, nas piores condições? E um mercador estrangeiro, familiarizado com os avanços da Ciência, como olharia para uma cidade destruída, a braços com um fenómeno espantoso, em que a crítica científica encontrava muitas resistências?
Preparados para tudo
Está na hora de regressar à sala de entrada e seguir a visita. O relógio entra em contagem decrescente e o coração palpita sem saber o que está para lá da porta que há de abrir-se automaticamente. Assim que os números chegam ao zero, é hora de avançar, pois na segunda sala espera-nos Luís, professor e cientista que dedicou grande parte da vida a pesquisar o tema, ficamos a saber sobre esta personagem. Ao longo da visita, a passar por dez salas divididas por três pisos, só lhe ouvimos a voz. Luís é uma espécie de cicerone e há de acompanhar-nos ao ouvido nos vários postos de escuta, muito importantes para dar corpo à História e sumo aos acontecimentos. Atribuem-nos uma missão, por isso é importante estarmos atentos às mensagens do professor, mas não podemos revelar mais para não estragar esta aventura desenvolvida pela Jora Vision, a empresa holandesa vencedora do concurso internacional.

Antes da viagem no tempo, passamos pelo Centro de Treino, onde se aprendem conceitos ligados à sismologia e à proteção civil. Os sismólogos Luís Matias e Susana Custódio foram quem definiu cada estação interativa – há até um simulador de tsunâmi. “É, de longe, a maior sala sobre o tema que temos hoje em Portugal”, afirma Ricardo Clemente. Como numa aula, aqui dá-se resposta a perguntas, nomeadamente “porque estes fenómenos acontecem” ou “como nos preparamos para eles”, quer do ponto de vista da construção e arquitetura quer do dia a dia, explicando o que se deve fazer em caso de um terramoto. Noutra sala, dois violentos sismos ajudam-nos a compreender o fenómeno português: o de Fukushima, no Japão, em 2011, por causa do tsunâmi, e o de São Francisco, nos Estados Unidos da América, em 1906, devido aos incêndios – infelizmente, em Lisboa, tivemos as três coisas juntas, um terramoto, incêndios e um tsunâmi. A partir daqui, as surpresas vão aparecendo em catadupa.
Os lisboetas da época
A visita ao Quake faz-se em grupo, com 24 pessoas no máximo de cada vez, e segue a ordem das dez salas. O grupo tem nove minutos para explorar cada uma das salas e ninguém fica para trás. No caso de não conseguir ver na totalidade algum dos conteúdos, basta passar a pulseira (entregue à entrada) por um dispositivo de leitura que aciona o envio de um link com todas essas informações para o email indicado. Em alternativa, pode sempre voltar.

Na Máquina do Tempo, viajamos até ao dia 1 de novembro de 1755. À saída desta sala, a experiência é imersiva e inclui os cheiros e o burburinho da Lisboa da época. À medida que avançamos pela calçada de pedras arredondadas, descobrimos os habitantes, os usos e costumes, os heróis e vilões, testemunhamos a vida nos conventos, como era o comércio feito pelas freiras e a vida em clausura, vivemos os grandes incêndios e o maremoto. O historiador André Costa reforça: “Era fundamental apresentar os lisboetas da época; a maioria da população era constituída por artesãos, barbeiros, cirurgiões (à data um trabalho muito menos prestigiado), pessoas escravizadas, marinheiros, peixeiras, trabalhadores do porto e de armazém ou, simplesmente, criados e cozinheiros. Quisemos, desde o início, mostrar também essa cidade popular setecentista, menos conhecida.” Esta Lisboa surge em animações dinâmicas como as da Sala dos Contos, onde se misturam figuras incontornáveis – os secretários de Estado ou os ministros com cargos muito importantes, inclusive o regedor das Justiças ou o presidente do senado da Câmara Municipal de Lisboa – com outro tipo de pessoas, menos conhecidas, como mulheres escravizadas, cirurgiões, prisioneiros da Inquisição e corsários. “O resultado é um mundo de uma riqueza impressionante”, nota André Costa.
O terramoto de 1755 deu-se pelas 9h40 da manhã do dia de Todos os Santos. O momento tem direito a sala própria com um simulador à altura. Vento, cheiros, a imagem sincronizada com os abalos, a História a ser contada… tudo funciona em conjunto. O terramoto foi maior do que aquele que sentimos sentados nos bancos de madeira da igreja, enquanto assistimos à missa dada no rito antigo, em latim, mas está recriado e interpretado fielmente, fazendo-nos viajar até aquele fatídico dia em que, em três momentos, se sentiram os abalos de intensidade e de duração diferentes (aqui vividos num menor espaço de tempo). A visita termina com a voz de uma nova personagem (possivelmente, vai passar-lhe despercebida na apresentação do cicerone, o professor Luís). É ela que dá as últimas pistas sobre a missão que se espera bem-sucedida. Quanto a nós, saímos mais conscientes deste tipo de fenómenos naturais e da importância, para Portugal e para o mundo, do terramoto de 1755.
Quake – Centro do Terramoto de Lisboa > R. Cais da Alfândega Velha, 39, Lisboa > seg-dom 10h-18h (última entrada) > €21 a €31, €14,50 a 21,50 (6-12 anos), €17 a €25 (mais de 65 anos) > os preços variam consoante a hora, dia da semana e época do ano
Epicentro: Com dez salas, eis o nosso top 3
1. Simulador do Terramoto

Do cheiro no ar ao som de fundo, nesta sala tudo contribui para uma viagem no tempo, ajudada por efeitos especiais e imagens projetadas nas paredes, em que se recriam uma missa do século XVIII e os momentos dos abalos. O simulador é tão real que, durante uns minutos, sentados num banco de igreja, recuamos até às 9h40 da manhã do dia 1 de novembro de 1755.
2. Sala dos Contos

É aqui que assistimos, a partir de uma janela, ao incêndio que devorou o então Hospital Real de Todos os Santos, interagimos com a mesa presidida por Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, e descobrimos o estúdio de Manuel da Maia. O simulador da Gaiola Pombalina vai funcionar se saltar com companhia.
3. Centro de Treino

O que é um sismómetro, um sismo ou as placas tectónicas. Estes são alguns dos conceitos explicados no Centro de Treino, uma sala com uma missão pedagógica, onde as mesas interativas ajudam a compreender o tema e a preparar os visitantes para um sismo, independentemente da intensidade.