Quem esteja preso à expressão popular “mais velho do que a Sé de Braga” ficará surpreendido com as inúmeras novidades a descobrir no centro histórico. Desenhe-se um raio de 100 metros à volta da catedral e, calcorreando as ruas estreitas (muitas, de acesso pedonal), logo surge uma oferta cosmopolita, à imagem e semelhança de outras cidades europeias. Catarina Silva e Ricardo Ferreira viveram em Londres, durante quatro anos, e por lá se tornaram clientes fiéis dos cafés de especialidade, participando em formações e em workshops – conhecimentos úteis no regresso à terra natal, antecipado pelo Brexit. “Braga é um tesouro pouco conhecido, cheio de jovens, e faltava esta oferta”, aponta Catarina. Abriram o Nordico Coffee Shop há 8 meses e, depois de muitas cupping sessions – sessões de prova em que falam de marcas de torrefação (que também vendem), métodos de confeção, entre outras dicas –, ganharam os seus clientes fiéis. Na cafetaria, minimalista, com plantas espalhadas pelos cantos e com um pequeno pátio nas traseiras, onde os cães são bem-vindos, circulam bandejas com panquecas, bagels, smoothies, tostas e bebidas à base de café. “Pratos simples de confecionar, mas feitos com alma e, sobretudo, com bons ingredientes”, diz Catarina. É esta autenticidade e qualidade que também fazem a diferença na NØRRE (norte, em dinamarquês), a padaria artesanal de Ana Jorge, a funcionar há cerca de um mês. Após dois anos a trabalhar em Copenhaga, decidiu que estava na hora de apresentar à sua cidade um pão saudável, saboroso, nutritivo e de grande durabilidade, produzido à maneira antiga, a soltar o aroma pela rua. Ana Jorge utiliza apenas farinhas moídas tradicionalmente em mó de pedra e recorre a um processo de fermentação lenta e natural com massa-mãe. “A reação foi extraordinária. Em Braga, não havia nada disto e as pessoas estão muito curiosas”, conta. “A cidade, por natureza conservadora, está a mudar, fico muito feliz com o tipo de lojas que está a aparecer.”
No lote de novidades inclui-se também a Corriqueijo, a queijaria colada às antigas muralhas (uma curiosidade que lhe tem valido a visita de muitos turistas), com uma oferta abundante de queijos de autor e artesanais, de todos os tamanhos, feitios, gostos e origens. Nas viagens feitas pelo Velho Continente, Rita Lima apaixonou-se pelas histórias dos produtores e, pelo meio, foi descobrindo projetos inovadores. Abriu a loja em junho passado, apenas com vendas para fora, mas, a pedido dos clientes, aproveitou um pequeno balcão também para provas e degustações. Da aceitação não se queixa. “É uma cidade pequena, mas as pessoas valorizam a qualidade e gostam de gastar em bons produtos”, sublinha a proprietária.
Restaurantes para todos os gostos
O negócio da restauração não era estranho aos músicos Adolfo Luxúria Canibal e Marta Abreu – responsáveis pela abertura e gestão, durante oito anos, do primeiro restaurante japonês em Braga, com enorme sucesso. “Ficámos com boas lembranças, mas queríamos agora um espaço mais pequeno”, conta Marta. Cabaret Voltaire, o clube noturno em Zurique, onde decorriam as tertúlias do movimento Dada, inspirou o nome e o tipo de cozinha do novo restaurante do casal, com o cardápio dividido num tríptico de artistas dadaístas: o “internacionalista” Raoul Hausmann, em que se encaixam pratos como o fondue de carne em vinho tinto perfumado; a “onírica” Hannah Höch, a guardar os sabores mais atrevidos, como os dadinhos de tapioca com redução de malagueta e goiabada; e o “teórico” Tristan Tzara, a encabeçar clássicos como a barriga de leitão curada em sal de ervas, com batatas douradas e redução de marmelada com vinho do Porto. “Tentamos aproximar–nos dessa corrente, uma das vanguardas europeias mais interessantes que me dizem muito”, explica o vocalista dos Mão Morta. Na decoração, destacam-se as colagens, a lembrar o cabaret original. Ao fim de semana, o horário de funcionamento prolonga-se e o Cabaret Voltaire torna-se um dos pontos de encontro da noite mais alternativa.
Na gastronomia japonesa, surgiram, entretanto, outras ofertas, como a cervejaria e petisqueira japonesa Otsu Biru, inaugurada em outubro passado, projeto com que Alexandre Correia delineou o regresso às origens, após 10 anos a viver no Brasil. A atrair as atenções está um enorme balcão, por onde circulam, através de um sistema magnético, pratinhos com dezenas de iguarias. Neste kaiten (um modelo habitual no Japão), as cinco cores dos pratos identificam os preços. “Cada cliente recebe um cartão e consome aquilo que quiser. Tanto pode gastar 8 euros como 80”, sublinha Alexandre. Além do sushi e do sashimi, há ramen, noodles, espetadas, grelhados e marisco, para acompanhar com cervejas ou cocktails. “As pessoas são levadas a experimentar os pratos, porque veem-nos a passar diante delas e sabem o que vão comer”, diz o proprietário, surpreendido com a curiosidade suscitada pelo Otsu Biru, em Braga e nas redondezas.
Mas, nesta cidade, continua a haver lugar para os clássicos. É o caso do Ignácio, entregue às mãos da chefe de cozinha Paula Peliteiro, desde junho passado. O restaurante, fundado nos anos 30 do século XX, é uma instituição da gastronomia minhota, com pratos conhecidos no País inteiro, como o bacalhau do Ignácio (uma posta grande com cebolada de azeite, batatas fritas às rodelas e vinagrete de tomate), os rojões com papas de sarrabulho, o cabrito e o pudim Abade de Priscos. “Respeitámos essa oferta mais tradicional e acrescentámos outros pratos, de cariz contemporâneo, da minha autoria [como o ossobuco com pasta fresca ou o polvo panado com batata recheada], para cativar os mais jovens”, conta a Sra. Peliteiro, nome do restaurante em Esposende de que é proprietária e graças ao qual ficou conhecida no meio. As salas do Ignácio, outrora paradas no tempo quanto à decoração e ao conforto, foram renovadas (as obras de fundo ficarão para daqui a uns meses), mantendo-se, porém, os azulejos pintados à mão nas paredes, as cortinas rendadas e as lareiras, sempre acesas no inverno. Incluído no roteiro das lojas históricas de Braga, o restaurante situado no Campo das Hortas, a praça de alimentação da cidade, não escapa às lentes fotográficas dos muitos turistas – e estes serão ainda mais, tendo em conta que Braga ficou em segundo lugar como Melhor Destino Europeu 2019, concurso promovido pela European Best Destinations (organização com sede em Bruxelas), já ganho por Lisboa e Porto.
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A perfumaria Yntenzo abriu em dezembro, na Rua do Souto, a artéria comercial de Braga
Lucilia Monteiro
À boleia do turismo
A procura de produtos portugueses ajudou à criação de novos negócios. A 20 de dezembro, na Rua do Souto, a artéria comercial do centro histórico, abriu portas a primeira loja da Yntenzo, marca criada pela Nortempresa, a única fábrica de perfumes portuguesa, localizada em Braga. “Quisemos arriscar e lançar uma perfumaria de nicho, com ingredientes menos convencionais e com dois laboratórios, onde cada pessoa poderá criar a sua própria fragrância”, explica Daniel Vilaça, administrador da Nortempresa. Existem cinco linhas de corpo e de casa, com imagem inspirada na calçada e nos azulejos portugueses. No piso superior da loja, há ainda uma sala para workshops, cuja temática anda sempre à volta das fragrâncias.
Na iD Concept Store, as apostas no artesanato e no design nacional não foram inocentes e, embora muitos dos seus clientes sejam locais, a mudança para uma loja de rua, há três meses, veio beneficiar o negócio. “Não havia nada semelhante na cidade, para quem quisesse comprar uma prenda diferente”, sublinha Jorge Queirós. A joalharia, a cerâmica de autor e as artes gráficas são as áreas mais representadas, desafiando-se os criadores a fazerem peças únicas para serem ali vendidas. Todos os meses, a montra é dedicada a um artista diferente e, aos fins de semana, eles procuram dinamizar a Praceta Santa Bárbara, onde estão, com iniciativas culturais.
No bar Setra, a poucos metros da Sé de Braga, a animação alia-se à cultura e às artes. À terça, decorrem aulas de lindy hop; à quarta e quinta, há música ao vivo e, pontualmente, apresentações de livros, palestras e exposições; ao fim de semana, os DJ apostam numa onda mais revivalista, com rock, indie e blues desde os anos 70 aos 90. Na decoração, a remeter para uma sala de estar, abundam as velharias, as curiosidades e as fotografias de estrelas do cinema e da música. Na ementa, em formato de passaporte, destacam-se os cocktails de autor.
A cidade vive uma dinâmica cultural, com uma agenda de espetáculos a dividir-se entre o Theatro Circo, o GNRation, e, desde setembro, o Altice Forum Braga, considerado o maior auditório da região Norte e a segunda maior sala de espetáculo do País. É ali que se encontra o Forum Arte Braga, uma galeria de arte contemporânea, sem qualquer cariz comercial. “É um local que nos permite maior liberdade na curadoria de exposições”, admite Guilherme Braga da Cruz, que partilha a direção artística com Duarte Sequeira, ambos proprietários de outras galerias na cidade. Da programação para 2019, constam quatro exposições: a Corpo, Abstração e Linguagem na Arte Portuguesa – Obras da Coleção da Secretaria de Estado da Cultura, na coleção de Serralves, inaugurada em finais de janeiro; a mostra dedicada ao artista austríaco Oliver Laric, a partir de 29 de março; uma apresentação coletiva de jovens artistas portugueses, a 28 de junho, e outra individual do artista portuense Jonathan Uliel Saldanha, a inaugurar a 11 de outubro. “Braga nunca teve um espaço público dedicado à arte contemporânea, com esta qualidade e dimensão”, sublinha Guilherme. Cosmopolita, com certeza.
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Forum Arte Braga, uma galeria de arte contemporânea, sem cariz comercial