Entre vinhas e planos: Roteiro por 11 adegas com cunho de arquiteto

1. Quinta do Vallado, Peso da Régua

Arquiteto: Francisco Vieira de Campos, Ano de construção: 2009

O ocre do rótulo dos vinhos Quinta do Vallado é o mesmo que cobre as paredes dos edifícios preexistentes, em contraste com o revestimento a xisto da nova adega e da cave de barricas. Uma ligação harmoniosa com o passado, que aqui remonta a 1716 e à lendária Ferreirinha, tetravó dos atuais proprietários. A construção contemporânea, concluída em 2009, quis adaptar-se ao terreno em socalcos nas margens do rio Corgo (afluente do Douro), com linhas simples e, ao mesmo tempo, marcantes. No interior, sobressaem as paredes de betão e o traço minimalista, com pormenores como os arcos da cave de barricas, a recordar a arquitetura típica da região duriense. A história da quinta, a reestruturação nos anos mais recentes e o moderno processo de vinificação são explicados ao longo da visita guiada. Além da casa principal, onde já existiam alguns quartos, foi criado na propriedade um pequeno hotel rural, também com desenho de Francisco Vieira de Campos, com uma série de programas de enoturismo disponíveis para os hóspedes, desde passeios pedestres ou de jipe a aulas de cozinha, piqueniques campestres e cursos de iniciação aos vinhos. Vilarinho dos Freires, Peso da Régua > T. 254 318 081 / 93 861 1492 > visitas seg-dom 12h, 15h45 > a partir de €17,50

2. Herdade do Rocim, Cuba

Arquiteto: Carlos Vitorino, Ano de construção: 2007

Antes da construção da adega da Herdade do Rocim, perto de Cuba, no Alentejo, poucas havia onde a arquitetura fosse tão marcante. Mas, para Catarina Vieira, engenheira agrónoma e uma das responsáveis, o caminho tinha de ser esse. “Na altura estava a surgir uma série de marcas, fazer uma adega diferente dava mais visibilidade aos nossos vinhos”, explica. Mais de uma década depois, o Rocim é um produtor alentejano de referência, num edifício encaixado entre dois pequenos montes com frontaria em gabião (estrutura de aço preenchida com pedras). De fora, não se vê absolutamente nada da adega, mas, ao contorná-la, descobrem-se as paredes de taipa, uma técnica típica do Alentejo que, além de introduzir manualidade ao projeto, corresponde às necessidades térmicas de conservação do vinho. O edifício foi desenhado pelo arquiteto Carlos Vitorino, cujo exercício criativo começa sempre com uma espécie de lengalenga: “Qual é a coisa, qual é ela, que pode distinguir a nossa adega das demais?” A resposta materializou-se em detalhes como o túnel de entrada que rompe a sala das barricas, “o espaço mais nobre, à semelhança de um qualquer palácio barroco”, diz o arquiteto. Já no interior, o pátio ao ar livre, com esplanada e anfiteatro, convida a estadas mais prolongadas. É ainda preciso reparar no conjunto de cores, que se vão revelando entre o cinzento e os tons terra. Os policarbonatos vermelhos e amarelo–champanhe estão presentes no circuito da visita e, cá fora, o espelho de água com cascata em azulejo vermelho faz uma alusão direta ao vinho. EN 287, Apartado 64, Cuba > T. 284 415 180 > visitas seg-sáb 11h-19h30 > a partir de €8

3. Adega Casa da Torre, Vila Nova de Famalicão

Arquiteto: Carlos Castanheira, Ano de construção: 2009

Uma visita à Califórnia foi decisiva para a aposta no enoturismo. “Fiquei impressionado com a forma como as adegas conseguem cativar os visitantes”, conta Gonçalo de Sousa Lopes, terceira geração da família proprietária da Casa da Torre. À necessidade de aumentar a capacidade da adega juntou-se o gosto pela arquitetura e a vontade de criar um edifício que ajudasse a projetar a marca. “Estes locais estão em transformação e já não há lugar para o pó nem para as teias de aranha”, descreve Carlos Castanheira, o arquiteto responsável pelo projeto, que acrescentou às espessas paredes de granito uma estrutura de madeira lamelar, por onde entra a luz, com um pé-direito alto, a lembrar uma catedral. “Agora, dá outro prazer ter estas condições de trabalho e esta beleza”, diz Gonçalo, engenheiro agrícola de formação e o único membro da família que, atualmente, se dedica aos vinhos. Além da adega, que serve três quintas no concelho de Vila Nova de Famalicão, na Região dos Vinhos Verdes, a sociedade agrícola detém, no planalto de Favaios, no Douro, a Adega Quinta da Faísca, também do arquiteto Carlos Castanheira. Uma parceria feliz. R. Dr. Carlos Araújo Chaves, 50, Louro, Vila Nova de Famalicão > T. 93 403 0209 > visitas seg-sáb 9h-16h30 > a partir de €7,50

4. Adega Gran Cruz, Alijó

Arquiteto: Alexandre Burmester, Ano de construção: 2014

A marca mais reconhecida do grupo Gran Cruz (detido pela sociedade francesa La Martiniquaise desde 1956), a maior exportadora de vinho do Porto, construiu uma adega e um centro de armazenagem cheios de luz, à medida das suas ambições. Onde outrora existia um estaleiro de obras, surgiu esta moderna e grandiosa unidade industrial, com uma estética de construção a condizer. Na verdade, o projeto do arquiteto Alexandre Burmester divide-se em duas adegas: uma standard, capaz de vinificar 6 000 toneladas de uvas, de 1 000 viticultores; e outra especial, para os vinhos do Douro e do Porto de qualidade excecional, produzidos em menor quantidade. Cada uma com equipamentos na vanguarda da tecnologia, cujo funcionamento é devidamente explicado nas visitas guiadas, que incluem uma passagem pela colorida sala de provas. Zona Industrial de Alijó, Alto da Giasteira, Alijó > T. 91 311 1900 > visitas a partir de €8

5. Herdade do Freixo, Redondo

Arquiteto: Frederico Valsassina, Ano de construção: 2016

No meio dos 26 hectares de vinha da Herdade do Freixo, o marco geodésico assinala os 450 metros de altitude. É a altura máxima a que as uvas crescem nesta propriedade do concelho de Redondo e é daqui, do ponto mais alto da herdade, que se tem a visão perfeita da vinha de casta Sirah, debaixo da qual se esconde a adega enterrada a 40 metros de profundidade, projetada pelo arquiteto Frederico Valsassina. Segundo Pedro Vasconcellos e Souza, mentor da Herdade do Freixo, “a ideia foi preservar ao máximo esta paisagem rural natural [por onde ainda passa a raríssima cegonha-preta], por isso, o edifício está enterrado”. Lá dentro, o impactante interior em espiral assemelha-se ao do Museu Guggenheim de Nova Iorque. Através de uma rampa circundante, iluminada por uma claraboia, acede-se aos três níveis da adega. É ali que tudo acontece: da chegada da uva ao engarrafamento, passando pela sala das barricas, a mais surpreendente de todas as que se visitam. Arquitetonicamente, a adega serve a vinha, e não o contrário. Embora o edifício esteja enterrado, tem sempre luz natural, é energeticamente autossuficiente e está equipado com a melhor tecnologia de vinificação. Freixo, Redondo > T. 266 094 830 > visitas ter-sáb 11h, 15h; loja seg-sáb 9h-17h > a partir de €6,50

6. Adega Mãe, Torres Vedras

Arquiteto: Pedro Mateus, Ano de construção: 2010

De linhas retas e depuradas, o edifício da Adega Mãe do arquiteto Pedro Mateus, é um miradouro sobre os 40 hectares de vinha da propriedade, localizada na Região de Vinhos de Lisboa, perto de Torres Vedras. Em tudo semelhante a uma varanda, este retângulo semienterrado – com 75 metros de comprimento e 45 de largura – destaca-se na paisagem como se dela tivesse saído. “Construímos uma coisa especial, por isso as visitas vão muito mais além do vinho que produzimos – cerca de um milhão de garrafas”, explica o diretor-geral, Bernardo Alves. De perto, continuamos a ser surpreendidos ao assomarmo-nos da varanda exterior no piso de entrada. A paisagem vinhateira quase perde importância para o que se vê através dos círculos abertos nos pilares de betão. “Remetem-nos para a base de um copo, para as barricas ou para o paladar redondo de um vinho”, descreve Bernardo Alves. A elegância do edifício continua no interior, com a utilização de materiais como o alumínio à cor natural, a madeira e o betão, visíveis tanto na sala das barricas como no coração da adega, onde a subtileza de alguns pormenores arquitetónicos escapa ao primeiro olhar. EM 554, Fernandinho, Torres Vedras > T. 261 950 100 > visitas seg-sáb 9h30-13h, 14h-18h30, dom 11h-13h, 14h-18h > a partir de €6

7. Adega Mayor, Campo Maior

Arquiteto: Álvaro Siza Vieira, Ano de construção: 2007

De longe, sugere um monólito enterrado no monte de declive suave. O traço é limpo, resumido à essência: um paralelo alongado com frente virada a sudoeste, caiado de branco e envolvido no verde da vinha e do olival. À volta, apenas o silêncio. Mal se arrastam as pesadas portas, como numa caixa-forte, a temperatura cai a pique e os olhos habituam-se à escuridão. Nas entranhas, alinhadas como soldados, estão centenas de barricas de carvalho onde repousam vinhos como Pai Chão ou Reserva do Comendador. Percorrer a Adega Mayor, tal qual Álvaro Siza a projetou, não está longe de um rito iniciático, como se, da penumbra do imenso “bunker” de betão da sala das barricas, ascendêssemos nove metros até à luz, a um terraço panorâmico dominado por um tranquilo espelho de água e de onde se avista Espanha e a serra de Portalegre. No extremo do Alentejo, ergue–se uma das primeiras adegas de autor em Portugal, que revela, a cada passo, os materiais locais. À volta, o embasamento de alvenaria de tijolo artesanal, recoberto de branco. Já os mármores foram trazidos das vizinhas Borba e Vila Viçosa, e, no chão da sala das barricas, o granito, assente em terra batida, mantém a humidade constante. P.Z.G. Herdade das Argamassas, Campo Maior > T. 268 699 440 > seg-dom 10h-13h, 15h-18h > visitas, provas, workshops ou experiências personalizadas que duram entre 45 minutos e um fim de semana > a partir de €2

8. Quinta do Encontro, Anadia

Arquiteto: Pedro Mateus, Ano de construção: 2008

No coração da Bairrada, o edifício redondo em forma de barrica marca a paisagem, com as serras do Caramulo e do Buçaco, vigilantes, à espreita. O arquiteto Pedro Mateus, que aqui privilegiou a madeira, dispensou as escadas e a ligação entre os quatro pisos faz-se por um percurso em espiral, reproduzindo o fuso do saca- -rolhas. Até a lareira tem o formato de uma garrafa. Além da adega, há uma loja onde se vendem todos os vinhos aqui produzidos (brancos, tintos e espumantes) e um restaurante de inspiração regional (o leitão não podia faltar com menus a partir de €12,50), com as janelas a enquadrar os vinhedos. Pertencente à Global Wines, a Quinta do Encontro aposta no enoturismo, ancorado em edifícios construídos de raiz, com as mais modernas tecnologias. R. de São Lourencinho, São Lourenço do Bairro, Anadia > T. 231 527 155 / 232 960 140 > visitas ter-sáb 11h30, 15h30, 18h30, dom 11h30 > grátis; grupos a partir de 10 pessoas €2 cada

9. Caminhos Cruzados, Nelas

Arquiteto: Nuno Pinto Cardoso, Ano de construção: 2017

A aproximação ao edifício de betão armado, simetricamente implantado no terreno, faz-se entre vinhas, aumentando o impacto da obra. É uma reconstituição do logótipo da Caminhos Cruzados, sugerida por Nuno Pinto Cardoso, que capta imediatamente a atenção de quem passa. “Pediram–me uma adega que contribuísse para a afirmação da marca”, conta o arquiteto. Construída ao longo de quatro anos e concluída em setembro de 2017, teve em conta a componente enoturística, com loja e sala de provas convidativas. “Estamos em plena comunhão visual com todos os departamentos, daqui avistamos as vinhas, a sala de barricas ou a produção”, sublinha Sofia Mesquita, a responsável pelas visitas. Houve, igualmente, a preocupação de conceber instalações ambientalmente sustentáveis (com bom isolamento térmico e luz natural coada) e muito funcionais. Criada em 2012, a Caminhos Cruzados deu largas à paixão pelos vinhos de Paulo Santos que, embora ligado à indústria têxtil no Norte do País, sempre manteve as propriedades vinícolas da família em Nelas, na Região Demarcada do Dão. Entretanto, a filha Lígia interessou-se por este mundo e está agora à frente da empresa. A Quinta da Teixuga, com 32 hectares, foi a escolhida para receber a adega. Dali saem as uvas dos vinhos topo de gama da marca, como o Teixuga e a coleção Titular, na qual se realçam as castas do Dão. Quinta da Teixuga, R. de Carvalhal, 50, Algerás, Nelas > T. 232 940 195 > visitas seg-sáb 9h-13h, 14h-18h > a partir de €6

10. Quinta da Pedra, Monção

Arquitetura: Desenho de Carlos Dias com projeto da empresa VHM, Ano de construção: 2011

A maior propriedade contínua de Alvarinho, com 43 hectares, no concelho de Monção, foi uma das muitas adquiridas em diferentes regiões vitivinícolas portuguesas por Carlos Dias. Fundador da marca de relógios suíços de luxo Roger Dubuis, que entretanto vendeu, o português investiu no negócio dos vinhos com a empresa Idealdrinks. É também de Carlos Dias o desenho da adega, concluída em 2011. Uma construção imponente de betão armado colorido, inspirado nas muralhas de Monção, classificadas como Monumento Nacional. Aqui está concentrada a produção de três marcas: Quinta da Pedra, Longos Vales e Senhoria. A adega está aberta a visitas, com passagem pela destilaria destinada à produção de aguardente (das castas Alvarinho e Loureiro e de fruta), a “menina dos olhos” de Carlos Dias. Longos Vales, Monção > T. 251 652 775 > visitas seg-sex 9h30-12h30, 14h30-18h > a partir de €15

11. Herdade do Esporão, Reguengos de Monsaraz

Arquiteto: Atelier Skrei – Pedro Jervell e Francisco Adão da Fonseca, Ano de construção: 2014

À Adega dos Lagares, uma das duas existentes na Herdade do Esporão, os enólogos David Baverstock e Sandra Alves chamam carinhosamente Playground – é aqui que eles podem testar, experimentar e aventurar-se por outros caminhos. O edifício de arquitetura simples e de paredes caiadas a branco, desenhado pelo atelier portuense Skrei, é um exemplo das mudanças que têm vindo a ser implementadas na Herdade do Esporão, propriedade com mais de 1 800 hectares, em Reguengos de Monsaraz. É aqui que se produzem os vinhos premium da marca, enquanto os outros saem da nova adega Monte Velho, mesmo ali ao lado, mas sem a beleza da Adega dos Lagares, construída em taipa. “Quando fomos ao terreno fazer o levantamento de recursos e percebemos que havia muita terra, além do conhecimento de uma técnica já pouco utilizada – que era a taipa –, vimos como isto se aproximava da ideia do orgânico, do nosso método de trabalho e também dos espaços de produção de vinho, que funcionam quase como o nosso corpo”, explica o arquiteto Pedro Jervell. Serviram-se da terra da herdade e igualmente das aduelas das pipas para forrar as portas e reproduzir no teto o padrão da vinha, o qual se vê da porta grande. Entre os vários depósitos de vinho em forma de túlipa, feitos em betão, destacam-se ao centro os tanques em mármore, onde se faz a pisa da uva, e, ao fundo, de um dos lados, as talhas onde se produz vinho como há mais de dois mil anos. A entrada faz-se pelas portas laterais que vão do chão ao teto, em forma de “L”, uma estrutura robusta que é preciso fazer deslizar com força. Força essa que se transforma em emoção, assim que se põe o primeiro pé nesta adega que nos aproxima da terra. Apartado 31, Reguengos de Monsaraz > T. 266 509 280 > visitas: seg-dom 12h, 16h; loja: seg-dom 10h-19h > a partir de €15