“Cuidado com o sol”, alerta Orquídea Silva, da Prochef, em tom de brincadeira. À nossa espera, numa mesa montada junto à loja do Cantinho das Aromáticas, há protetor solar, chapéus de palha, garrafas de água, aventais, sebentas e canetas. Será tudo usado durante este primeiro Foraging Chefs Adventures, na única quinta urbana de Vila Nova de Gaia, onde 12 chefes se preparam para um safari de campo. O desafio vai permitir encontrar os ingredientes certos, entre plantas selvagens e cultivadas, para empratar, ao almoço, a carne e o peixe.
Afastada a neblina matinal, a onda de calor instala-se nesta mancha verde, às primeiras horas da manhã. À procura de novos recursos, vindo do outro lado do mundo, o japonês Shigeru Tsukui junta-se a Alexis Gregorio (Adega Machado / Café Luso), Amaya Gutteres (Quinta do Prazo), Ann-Kristin Wenzel (Food Stylist), António Vieira (Wish), João Paulo Magalhães (Quinta de Ventozelo), Ligia Santos (Clube Mastercook), Luís de Matos ( Escola de Turismo de Portalegre), Miguel Teixeira (Vida Mar), Oswalde Silva (Conrad), Rui Martins (Grupo Pestana), Sara Oliveira (consultora e formadora) e Vítor Monteiro (Nau).
Sem a formalidade da cozinha, os chefes identificam-se pela jaleca personalizada, sem a qual seriam (ou talvez não) confundidos com um grupo de botânicos ou agrónomos. Esperam Luís Alves, o mentor do Cantinho das Aromáticas, que vai conduzir esta aventura e que mais tarde, já depois do almoço, nos diz que gosta de ver esta iniciativa como “um safari em África, só que aqui há beldroegas, que crescem livremente, sem cuidados, ao lado de espécies cultivadas, como o tomilho bela-luz e a erva-príncipe.”
Antes de se iniciar a busca de campo, munidos de cesto e tesoura, os participantes entendidos em comida e vinhos, prestam atenção a quem mais sabe sobre plantas. De aromáticas a selvagens, de comestíveis a venenosas, há muita informação a reter. Agrónomo de campo, sem nunca ter vivido fora da cidade, Luís Alves abre a sebenta, começando por explicar o estrangeirismo usado anteriormente. “Em português, foraging é recoleção, uma prática dos nossos antepassados, com milhares de anos, que significa procura de recursos selvagens”. Aliás, entre nós, já muitos o praticam, na primavera e no outono, quando saem à procura de cogumelos. Mas há outros “foragers”. Quem nunca foi pela mão da mãe, do avô ou da tia apanhar amoras, mexilhões, lapas ou algas? “Isso é foraging”, frisa o agrónomo.
Além de contribuir para alargar a gama de aromas e sabores, a pratica ancestral conduz a uma nova relação com os alimentos, mais saudável e ecológica. “Há dezenas de espécies espontâneas, ricas em nutrientes, esquecidas e até marginalizadas”, diz. Os alimentos selvagens “podem enriquecer qualquer dieta”, contribuir “para a biodiversidade autóctone, espontânea” tantas vezes esquecida, reduzindo ainda o impacto ambiental.
É preciso ir para o terreno, parar e observar o lugar onde vivemos, pois os jardins da cidade podem transformar-se numa espécie de supermercado selvagem sazonal, continua Luís Alves. Com alguns cuidados, claro. Apanhadas em espaços públicos, trilhos e caminhos, a utilização de espécies selvagens “obriga” a utilizar um bom guia de campo, além de incursões no terreno com botânicos. “O foraging muda a forma como nos relacionamos com o mundo à nossa volta”, reforça. Foi depois de ver Leo Carreira, o chefe português radicado em Londres, à procura de ervas nos jardins da capital inglesa, que Luís Alves decidiu avançar com esta abordagem no Cantinho.
Junto aos vasos de aromáticas encontram-se agora duas mesas com boa parte das diversas plantas espontâneas que vivem na quinta. Aqui há chagas, erva camaleão, fidalguinhos, beldroegas, dente de leão, cravinas selvagens, rosas, cravos túnicos, morangos silvestres, salva, urtigas e murta. Foram apanhadas pela fresca, mas a meio da manhã, como o dia vai de brasa, com a temperatura a atingir os 38 graus, as plantas ressentem-se. Sem deixar, no entanto, de serem comestíveis. “Cheirem e provem, à vontade”, diz Luís, enquanto faz justiça às gordas beldroegas, ao salgado funcho marítimo e à canforada murta. “Ainda alguém vai fazer um gin com isto”, atira Rui Martins, arrancando mais uma gargalhada à atenta assistência.
Durante cerca de uma hora, o grupo aventura-se num safari campestre. Entre o sobe e desce, são poucas as sombras, é muito o calor, mas a curiosidade mantém-se. Da aromática erva príncipe à exótica hortelã pimenta, passando pela medicinal equinácea, o extraordinário tomilho bela-luz (um verdadeiro substituto do sal), as flores de salsa ou a bela lúcia lima. É um percurso ao ar livre, com notas de prova únicas, divertido e descontraído, muito pelas histórias que Luís Alves vai deixando escapar por entre os nomes científicos de cada planta. O grupo prossegue, sem desistências à vista.
Estamos ao lado da plantação de perpétuas roxas, onde todas as semanas se reúne meia centena de pessoas para uma apanha voluntária, de fins terapêuticos. Abertas a visitas, diariamente e sem custo. “Esta não é uma quinta pedagógica, não há cavalinhos, nem póneis, mas agricultores a trabalhar”, frisa o agrónomo.
Em pouco mais de trinta minutos, e com apenas alguns ingredientes, as muitas ervas colhidas no percurso pela quinta pelos chefes fizeram as delícias do júri em seis pratos distintos. Acompanhados de uma prova de tisanas geladas e um vinho branco da Quinta do Ventozelo. Sempre ao ar livre, para ficar na memória e confirmar a beleza dos ingredientes selvagens.
Cantinho das Aromáticas > R. do Meiral, 508, Vila Nova de Gaia > seg-sex 9h18h, sáb-dom 9h30-18h