Comece-se com um aviso à navegação para quem chega de carro à Lx Factory, em Alcântara, Lisboa. A entrada faz-se agora pela Avenida da Índia, servindo o portão da Rua Rodrigues Faria de saída. Além disso, a rua principal do antigo complexo fabril foi fechada ao trânsito. E ainda bem, dizemos nós, porque se pode passear à vontade, saltitando de montra em montra. Ou de esplanada em esplanada, assim apeteça comer qualquer coisa. Aberto nem há um mês, o restaurante Central da Avenida aposta nos queijos e enchidos portugueses acompanhados por um bom vinho (seg-dom 12h-22h). Como numa charcutaria, há queijo amanteigado de Azeitão, picante intenso da Serra da Gardunha, paio do lombo, paiola e presunto de porco preto que chegam à mesa em finas fatias sobre uma tábua. Também se vendem conservas e chouriço assado no barro, e para provar um pouco de tudo, existem dois menus que incluem três variedades de pão, degustação de azeite e dois copos de vinho. A lista é generosa, dividida por brancos, tintos, verdes e rosés.
À falta de número de porta, e porque os edifícios não estão identificados, tome-se por referência a abelha de Bordalo II, para dizer que ao lado da escultura do artista português, encontram-se umas escadas em ferro que levam ao The Dorm. Georgia Duff, a gerente do hostel que ocupa um armazém de 300 metros quadrados onde já esteve uma produtora de música, faz as honras da casa. Uma enorme sala de estar com cozinha em open space, logo à entrada, e, para lá de uma porta, três dormitórios (com 28 camas-cápsula, ao estilo japonês), mais dois quartos duplos. O Reading Room e o Music Room “estão sempre ocupados”, mesmo tendo casa de banho partilhada. “Meninos para um lado, meninas para o outro, bem entendido”, esclarece a australiana que vive em Lisboa há 12 anos. A estadia inclui toalha, champô e gel de banho, e pequeno-almoço no dia seguinte. “Também fazemos jantares com os hóspedes. Hoje, por exemplo, vou ser eu a cozinhar. Um traz o vinho, outro está encarregue da sobremesa. É um ambiente calmo, diferente, e as pessoas gostam”, conta. “Além disso, estar aqui é ótimo porque sais e podes alugar uma autocaravana para ir até à Costa Vicentina, fazer uma tatuagem, ir ao cabeleireiro ou à livraria.”
Não é exagero quando Georgia diz que na Lx Factory há de tudo. Lojas, restaurantes, cafés, bares, ateliês de artistas, uma escola de atores, um cowork, aulas de artes marciais e, desde novembro passado, uma oficina de artes manuais (procure o néon do restaurante Rio Maravilha e entre nessa porta). Num primeiro andar cheio de luz fica o Volta – Oficina Criativa, projeto concretizado por Rita Daniel e Gonçalo Almeida, com serigrafia, marcenaria, encadernação ou têxtil (ter-sáb 10h-19h). “A ideia é que as pessoas venham, aprendam e continuem a treinar, utilizando a oficina para desenvolver trabalhos”, diz a arquiteta. O forno de cerâmica foi a última aquisição entre as várias máquinas postas à disposição: serras de esquadria e de mesa, telas de serigrafia, um carrossel de impressão (a partir de €8/hora, sem materiais). Durante a semana, em horário pós laboral, decorrem as oficinas de formação. “Aprender a construir um banco, por exemplo, implica também ter noção da maquinaria e materiais necessários, e o tempo que demora o trabalho”, explica. E ao fim de semana, há workshops, com artesãos convidados – encadernação, macramé, tinturaria natural, papel marmoreado ou serigrafia com bordado, por exemplo.
Rita e Gonçalo gostam desta espécie de irmandade que é a Lx Factory e alguns vizinhos até já se tornaram clientes do Volta. Como o Pulpa, um bar de sumos, saladas e sopas, para quem fizeram os aventais. Fica numa miniloja só com balcão (seg-dom 10h-19h), já depois da saída pedonal da Lx Factory que dá para a Rua 1º de Maio. Vale a pena percorrer o túnel decorado com néones que são imagem do Pulpa, e levar um sumo de maçã, limão, água de coco e erva-cidreira fresca para o caminho. Ou um mais substancial smoothie, como o Delícia, feito com sumo de limão, polpa de maracujá, agrião, iogurte natural, água e aveia. Na dúvida, é pedir ajuda à simpática Catarina, que atende ao balcão.
Para falar, com entusiasmo contagiante, do seu projeto está Joana Teixeira. No The Therapist curam-se estados de alma através da leitura (biblioterapia), faz-se uma refeição saudável e aprendem-se coisas tão básicas como tirar uma nódoa da roupa, gerir o orçamento mensal ou defesa pessoal. Joana chama-lhe Curso de Sobrevivência Urbana e a escola é um dos componentes do The Therapist, que junta ainda uma clínica de medicinas alternativas (tradicional chinesa, naturopatia, ayurveda, terapia quântica), e uma cafetaria, cuja ementa, ao almoço e ao lanche, é feita com produtos biológicos e deixa de fora os laticínios e o açúcar refinado.
A ocupar o edifício cor-de-rosa da Lx Factory, está também a Organii que mantém a loja de cosmética ecológica logo à entrada, mas aproveitou a nova morada para alargar a oferta à roupa de criança, puericultura e a marcas portuguesas que apostam na reciclagem de materiais e em processos de produção artesanais. A partir de maio estará a funcionar o spa, com massagens e tratamentos de rosto. Com a Organii – e porque já partilhavam loja no Príncipe Real –, veio a Boa Safra, que além do mobiliário de linhas minimalistas e acabamentos naturais, aposta na recuperação de peças tradicionais portuguesas, como os bancos de bunho do Ribatejo, os cabides feitos de troncos naturais recolhidos nos montados alentejanos, ou os bancos de três pernas da Beira Interior, com assento em meia lua, que eram usados na ordenha das ovelhas e cabras. Tudo feito por artesãos.
À falta de lugar para o carro dentro da LX Factory, saiba o leitor que existe um parque de estacionamento, logo à esquerda, quando se está em frente ao portão da Rua Rodrigues de Faria. Aberto das oito da manhã às duas da madrugada, custa dois euros, sem tempo limite.
LX Factory > R. Rodrigues Faria, 103, Lisboa > T. 21 314 3399