Estão de volta os Passadiços do Paiva, em Arouca, que reabriram esta segunda-feira, 15, depois de terem sido destruídos por um incêndio no verão passado. Repensado o funcionamento da estrutura, o acesso passa agora a ser limitado a 3500 pessoas por dia, à inscrição obrigatória no site e ao pagamento de 1 euro. Novidade também são as instalações sanitárias em Espiunca e Areinho, e o parque de estacionamento para 400 viaturas em cada um dos lados. Vale a pena reler o texto que fez capa da VISÃO Se7e, em agosto de 2015, no pico das visitas do último verão.
Passeio da fama
Lembram-se daqueles tapetes que costumavam ser postos à porta dos restaurantes e de algumas casas a dizer Bem-Vindo? À entrada da pequena aldeia de Espiunca, mesmo ao lado da ponte sobre o Paiva, não foi preciso estender um tapete desses para convidar as pessoas a entrar. Bastou mostrar um bocadinho do corrimão e dos primeiros metros daquele que é já o passadiço de madeira mais famoso do País. A partir daí, o impulso torna-se irresistível e, mesmo sem qualquer preparação prévia ou, sequer, conhecimento do esforço que será necessário despender nas próximas horas, qualquer um começa logo a imaginar-se a serpentear por entre árvores e rochas, passo a passo por uma estrutura em madeira de pinho que parece interminável, suspensa em falésias e pequenos desfiladeiros, acompanhando sempre a margem esquerda daquele a que chamam o rio mais selvagem de Portugal.
Em Espiunca, desde que os passadiços foram inaugurados a 20 de junho, as diferenças são, literalmente, da noite para o dia. Quando se lá chega, após um troço final de 18 quilómetros, desde Arouca, a ziguezaguear pela montanha, capaz de confundir até o GPS, sentimo-nos a recuar no tempo. Com somente 22 moradores dispersos por uma dúzia de casas de pedra e telhados de xisto, apenas o brilho das estrelas nos ilumina o caminho. São dez da noite e não se vê vivalma. “Jantar? Isso agora só em Alvarenga”, avisam-nos, como quem nos quer evitar o incómodo de mais 30 minutos a conduzir por uma estrada estreita e com curvas.
Ao nascer do sol, acordamos com a mesma sensação de imersão no passado. Apenas o cantar dos galos, aos primeiros raios de luz, se intromete no barulho constante da água a correr sobre as pedras. Descemos ao pequeno largo da igreja e tudo continua tranquilo. De repente, ouvimos o barulho de um motor. E de um carro a travar. O condutor abre a janela e pergunta: “Sabe qual é o caminho para os tais passadiços?”. Tem sido assim diariamente.
Aos poucos, mais carros vão aparecendo e, no meio de uma nuvem de poeira, estacionam no parque da praia fluvial, uns a seguir aos outros. Chegam também camionetas com excursionistas. E com o parque já sobrelotado, o estacionamento vai-se improvisando, por vários quilómetros, nas bermas das estradas de acesso a Espiunca e pela única rua da aldeia que, agora, vive todos os seus dias como se estivesse em hora de ponta.
Felizmente, os primeiros metros do passadiço fazem-nos esquecer rapidamente a confusão que se começou a montar lá atrás. O troço inicial, com 645 metros, é completamente em linha reta, por entre árvores, e percorremo-lo acompanhados apenas do barulho da água do Paiva, dos pássaros e do vento a soprar por entre a folhagem. Em poucos passos, sentimo-nos privilegiados. E completamente rendidos àquela estrutura de madeira que vai serpenteando à nossa frente, contornando pedregulhos, fazendo curvas apertadas conforme as falésias que encontra, transformando os obstáculos em elegantes miradouros para apreciar a paisagem e a geologia. De repente, o passadiço termina e entramos num caminho de terra batida, que se prolonga por cerca de 300 metros. Quando retomamos as tábuas de madeira, surge a indicação de que concluimos o primeiro quilómetro. “Já só faltam 7 645 metros”, grita-se, com ironia.
Estamos, portanto, ainda no início, mas é já o principio da meta para os corredores que, vindos em sentido contrário, estão prestes a completar o circuito de ida e volta, uma prova de resistência cada vez mais popular nas redondezas entre os amadores da corrida – com alguns a vangloriarem-se de já terem feito os cerca de 17 km em duas horas.
Seguimos pela parte mais fácil do percurso, apenas com umas ligeiras subidas aqui e uns pequenos lances de escadas ali. Como companheiros de viagem vamo-nos cruzando com todo o tipo de pessoas, desde os “pro” desta atividade, com os seus bastões de caminhada, até aos aldeões das redondezas que fazem questão de ver ao vivo a “maravilha” elogiada pelos amigos e vizinhos.
Há famílias inteiras “armadas” com cestos de merenda, jovens com as roupas do ginásio, casais de namo rados de todas as idades, grupos de escuteiros e muitas pessoas com os cães pela trela. Há também dois ou três funcionários da Câmara de Arouca – responsável pela obra de 1,8 milhões de euros, dos quais 85% foram comparticipados por fundos comunitários – a calcorrear o caminho, com a missão ingrata de recolher o lixo deixado por quem não leu as regras de conduta do passadiço (não existem caixotes do lixo e todos os detritos devem ser transportados pelos caminhantes até ao destino final!).
A praia do Vau, mais ou menos a meio do percurso, é aproveitada por muitos para um mergulho. Ou para uma paragem no novo bar, que acabou de ser instalado numa elevação. Esta é a zona em que se deixa de ouvir a natureza, abafada pelos gritos dos grupos que atravessam a ponte suspensa para a outra margem – um caminho sem saída, mas que motiva alguma adrenalina entre os imitadores de Indiana Jones.
Entramos, então, na parte mais cénica no percurso, contornando a grande garganta do Paiva, o troço que, no inverno e na primavera, faz as delícias dos amantes do rafting. É a preparação para o desafio mais difícil da caminhada: os cerca de 500 degraus, encadeados em lances diagonais, que nos conduzem até a um miradouro, a quase 300 metros de altitude. A vista é magnífica e os minutos passados a contemplar a paisagem ajudam a repor a pulsação.
A partir daí é quase sempre a descer. Primeiro num caminho poeirento (e o menos interessante de todo o trajeto), depois por uma escadaria que nos leva até à ponte sobre o Paiva, junto da praia do Areinho, equipada com serviço de socorros a náufragos, instalações sanitárias e um bar com atendimento simpático.
Apesar da tranquilidade do local, é aqui que voltamos novamente aos ecos da “civilização”: é hora de ponta para os táxis que, vindos de todas as praças da região, andam num constante vaivém (a 15 euros a corrida!) entre Areinho e Espiunca, repletos de clientes.
O melhor mesmo é voltar a mergulhar na natureza. E regressar à “casa de partida” pelo mesmo caminho: a pé, passo a passo, pelos Passadiços do Paiva. Com a promessa de lá voltar quando as águas subirem. E, porventura, a fama já tiver passado.
Passadiços do Paiva > Espiunca e Areinho, concelho de Arouca > 8,645 km, 2h30 (tempo médio) > €1 (inscrição obrigatória no site) > www.passadicosdopaiva.pt > www.geoparquearouca.com