1. O Tempo do Cão
Ondjaki e António Jorge Gonçalves

Esta novela gráfica com bom uso da elipse narrativa e dos ensinamentos cinematográficos, traçada a branco e azul-Klein, assume um subtema familiar: a lealdade entre um homem e um cão, testemunhas da História. Ele é um guerrilheiro cubano chamado Guevara, fumador de charutos cujo aroma atrai esse cão “de olhos ensolabertos”, passeante solitário das margens do lago Tanganica – o lugar da guerrilha de Laurent-Désiré Kabila, antes de tomar o poder na República Democrática do Congo. Entre o medo e o riso, entre a ameaça dos helicópteros e as fantasias oníricas (que originam os desenhos mais espetaculares, mas não ensombram a subtileza restante), nasce uma ligação forte e comovente. Caminho, 136 págs., €14,90
2. Mulheres Viajantes no País de Salazar
Sónia Serrano

Depois do excelente Mulheres Viajantes (2014), o novo livro da investigadora tem uma reverberação particular, agora que velhas ideologias parecem ressurgir. O ponto de partida é simples e complexo, ao mesmo tempo: como era viajar em Portugal durante o Estado Novo e o que se escrevia sobre o País do ponto de vista da literatura de viagens? Há, desde logo, uma ironia sociológica: as oito narrativas analisadas são escritas entre 1934 e 1961 por autoras estrangeiras – francesas, inglesas e norte-americanas, livres. Algumas retrataram-nos com intenção política – como Christine Garnier, petite amie do ditador, no livro Férias com Salazar (1952). Outras, obedeceram à cartilha sightseeing como Duas Inglesas em Portugal (1949) de Ann Bridge e Susan Lowndes. E há quem tenha usado binóculos de lucidez, como a romancista Mary McCarthy em On the Contrary (1961). Uma leitura que é radiografia histórica, denunciadora do filtro da propaganda e do fascínio pelo País “melancólico”, “pobre” e “belíssimo”. Tinta da China, 160 págs., €14,90
3. As Viagens da Arte
Jacques Rancière

Seis textos reunidos (incluindo a comunicação no CCB em 2022, Arte e Política: a Travessia das Fronteiras) que exploram o caminho da arte “para fora e além de si mesma”. Passam por Hegel e Kant, pela música e pela arquitetura (como a transformação desta de “poema de pedras empilhadas que se elevam em direção ao céu” a casa que suprime “a barreira das paredes para fazer do lugar para habitar o mesmo que um lugar para ver”, que integra a “arte inconsciente da natureza”), pelo peso dos artistas soviéticos na revolução, pelas formas contemporâneas de arte – hoje associadas a militâncias várias. Rancière desfaz as ideias feitas sobre estética, aponta a imperfeição como novo paradigma e sublinha a carga política da arte na contemporaneidade. Orfeu Negro, 184 págs., €18
4. Uma Poesia Extrema
António Maria Lisboa

A Mário Cesariny deve-se a criação da mitologia e a edição da obra do poeta desaparecido de tuberculose aos 25 anos na miséria de um quarto alugado, depois de duas viagens à Paris dos surrealistas franceses. E Joana Matos Frias, responsável pela seleção de poemas que, revela, apresentam algum material há muito indisponível, diz não ser difícil ver em Cesariny e António Maria Lisboa um desses “couples étranges” – como Rimbaud e Verlaine. Cometa do surrealismo tardio, deixou um punhado de poemas, com forte pulsão imagética e até palavras novas (“aranha-termómetro”, “borracha-centopeia” em Ossóptico) e o célebre Erro Próprio: Conferência-Manifesto. Matérias inflamáveis de alguém que “não se suicidou, mas teve uma vida de suicida”. Penguin Clássicos, 168 págs., €9,95