1. Morte a Crédito
Louis-Ferdinand Céline
Em pleno século XXI esta escrita torrencial, sem filtros mas com muitas reticências, ainda nos interpela e pode surpreender. Quando Morte a Crédito foi publicado em França, em 1936 – sucessor do célebre romance de estreia de Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao Fim da Noite, de 1932 –, esse efeito de surpresa, e mesmo choque, agitou o meio literário francês. Hoje, aparece-nos como um antecessor da escrita rápida e cheia de calão de um Bukowski e da beat generation.
O protagonista de Morte a Crédito, como noutros livros do autor, responde pelo nome de Ferdinand e, até por isso, é fácil identificar personagem com escritor. Num texto longo e ininterrupto, sem divisões em capítulos, aqui numa tradução de Luiza Neto Jorge, somos sugados para a vida de um médico dos subúrbios de Paris, entre pobreza e promiscuidade, que aspira a ser escritor. Céline, depois de ser soldado na I Guerra Mundial, foi médico e estão, certamente, aqui muitas das suas experiências. Para a posteridade, o nome do escritor ficou sobretudo associado ao seu colaboracionismo com os ocupantes nazis em França e aos seus escritos antissemitas. Mas na literatura foi nada menos do que revolucionário. Livros do Brasil, 608 págs., €24,40
2. O Povo É Imortal
Vassili Grossman
Nascido em 1905, numa família judia, em território do império russo atualmente pertencente à Ucrânia, e desaparecido em 1964, ostracizado pelo regime soviético, Vassili Grossman viveu de perto os maiores fantasmas do século XX. Nos anos 30, abandonou a carreira de engenheiro químico para se dedicar à escrita e, quando chegou a II Guerra Mundial, voluntariou–se para combater os ocupantes alemães. Acabaria por ser correspondente de guerra, testemunha privilegiada de todas as atrocidades. Depois, na era soviética, o regime censurou a sua obra que nasceu dessa experiência bem real. O Povo É Imortal é o seu primeiro romance centrado na guerra, em que o autor revisita os primeiros meses da invasão alemã, em 1941. Dom Quixote, 320 págs., €19,90
3. A Última Tentação
Nikos Kazantzakis
Um desses casos em que a fama do livro foi suplantada pela da sua adaptação cinematográfica (envolto em polémica, Martin Scorsese estreou, em 1988, A Última Tentação de Cristo). Não é a única obra do escritor grego Nikos Kazantzakis (1883-1957) de que se pode dizer isso: também é ele o autor de Zorba, o Grego, celebrizado no cinema pela interpretação de Anthony Quinn. Em A Última Tentação, publicado em 1951, Kazantzakis fez de Jesus Cristo personagem principal, humanizando-o e dando-lhe uma leitura psicologizante típica de uma obra de ficção às voltas com a vida real. Paixão, tentação, vulnerabilidade e culpa são elementos presentes nessa abordagem que escandalizou os católicos mais conservadores. Edições 70, 600 págs., €25,90
4. Contos Completos
Katherine Mansfield
Talvez não estivesse escrito nos astros que se dedicaria às belas letras, nem a sua curta vida (morreu aos 34 anos, de tuberculose) prometia uma influência tão grande no universo anglo-saxónico. Mas Katherine Mansfield conseguiu romper com todas as convenções e em todos os aspetos da sua vida. Nascida numa típica família colonial inglesa, na atual Nova Zelândia, em 1888, escreveu sobre mulheres, sexualidade, sonhos castrados na infância e revoltas individuais. O seu percurso literário no conto, de que foi uma das grandes renovadoras no início do século XX, está agora reunido num único volume. Ao mais conhecido título, O Garden-Party, juntam-se as coletâneas Felicidade, O Ninho da Pomba, Alguma Coisa de Infantil e Numa Pensão Alemã. L.R.D. Relógio d’Água, 712 págs., €29