1. “De memórias nos Fazemos”, de Violante Saramago Matos

Quem sai aos seus não degenera. E da filha de José Saramago, escritor de causas e de muitos princípios, não se esperava outra coisa. Que defendesse acerrimamente as suas lutas e pontos de vista, por exemplo, o que por vezes agitava o ambiente familiar. “Foi sempre boa a relação com o meu pai?”, questiona-se Violante Saramago Matos no livro de memórias que acaba de lançar. A resposta é duplamente negativa. Por um lado, porque depois do divórcio ficou a viver com a mãe, a artista Ilda Reis. Por outro, porque nos anos 70 “ele era quadro ativo do PCP e eu militava no MRPP, de onde é fácil concluir sobre a impossibilidade de entendimento ou de qualquer cumplicidade”.
São episódios como este que fazem das memórias paternas de Violante Saramago Matos uma leitura fascinante. São dois espíritos independentes que se encontram, um convocando, o outro convocado. Em pequenos textos, fixam-se intimidades, traços de perfil e lições que só a convivência proporciona. De emoções contidas, Saramago era de poucas palavras, mas o que dizia (e quando, e como) tinha um enorme impacto na filha. O livro toca-nos pelo modo direto, franco e delicado de Violante, e pela vontade de continuar a aprender com o pai, regressando aos seus livros. Edições Esgotadas, 132 págs., €15
2. “A pedra é mais bela que o pássaro”, de Raquel Gaspar Silva

Depois do romance Fábrica de Melancolias Suportáveis, de 2017, Raquel Gaspar Silva regressa com A Pedra É Mais Bela que o Pássaro, livro de contos que prolonga uma atenção muito especial à terra, à Natureza, às tradições e às crenças que percorrem famílias ou lugares. Nestas histórias curtas, essa escuta do espaço envolvente, aquele que se vê e o que se esconde, é ainda mais intensa. Cada enredo é uma levedura de onde brotam, e onde se confundem, seres fantásticos, episódios lendários, acontecimentos inexplicáveis. É um universo mágico em que os homens e as mulheres muitas vezes se metamorfoseiam em animais ou em existência mineral. Com frases que se desdobram em ladainhas e adjetivações exuberantes e sedutoras, cada um destes 11 contos é uma viagem por um folclore que tem tanto de ancestral quanto de contemporâneo, de antigo e de renovado. Caixa Alta, 96 págs., €12
3. “Diários de Viagem”, de Walter Benjamin

Onde estava Walter Benjamin quando escreveu cada um dos seus ensaios? Posta assim, a pergunta pode parecer absurda e irrelevante, mas numa análise mais próxima percebe-se que esse lugar, ou aquela circunstância, pode ser um elemento (ainda que extraliterário) importante para compreender o pensamento do filósofo e ensaísta alemão. Afinal, estamos a falar de alguém que viveu em constante viagem, quer por vocação (sempre em busca de uma “casa”), quer por imposição (foi perseguido pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial). Eis o interesse deste oitavo volume das Obras Escolhidas de Walter Benjamin, editado, traduzido, anotado e prefaciado por João Barrento, grande especialista em literatura em língua alemã. Itália, Rússia, França e Espanha são algumas das paragens deste diário em movimento, escrito entre 1912 e 1938, dois anos antes da sua morte, em Portbou, nos Pirenéus. Assírio & Alvim, 408 págs., €19,90
4. “Poemas”, de Friedrich Nietzsche

Génio precoce, Friedrich Nietzsche experimentou todo o tipo de escrita, das peças de teatro a fragmentos de interpretação difícil (também por causa da sua letra, que se degradou à medida que os seus problemas de visão aumentaram). Regressam agora às livrarias portuguesas os seus poemas, num dos três volumes inaugurais da nova coleção de poesia das Edições 70, Rosa Esquerda, cujo objetivo é divulgar os grandes nomes da literatura mundial (os outros dois títulos são de Goethe e Saint-Pol-Roux). Aqui se recuperam as traduções de Paulo Quintela, publicadas em 1960 e 1981, que percorrem alguns dos aspetos centrais da voz poética de Nietzsche, que ora se aproximam da sua filosofia (algumas composições remetem diretamente para Zaratustra), ora nos devolvem a força dos seus aforismos. Sempre irónicos, estes são poemas de uma personalidade consciente da sua fragilidade e do seu potencial. Edições 70, 432 págs., €19,90