O bairro onde se passa o livro Uma Vida Assim-Assim não é um bairro qualquer. É o Bairro, escrito mesmo desta maneira, com maiúscula e artigo definido, porque ali tudo acontece como se de uma cidade, com identidade e características muito próprias, se tratasse – nasce-se, morre-se e, no entretanto, também se vive. E vive-se mesmo assim-assim, como se diz no título com uma naturalidade desconcertante; nem muito feliz, nem completamente infeliz; uns dias melhores, outros piores; ou ainda, à boa maneira portuguesa, “vai-se andando”.
Cláudia Araújo Teixeira (que se licenciou em Direito, fez carreira na área editorial e agora se estreia na ficção) descreve o Bairro dizendo este que foi construído em finais dos anos 60 – “quinhentas e vinte e duas casas, distribuídas por quinze blocos, quatro andares por entrada, três casas por andar que desaguavam num patamar que ligava a outros patamares, todos eles enrodilhados em escadas abertas com grades”. A autora considera que a história poderia decorrer num sítio qualquer, mas, quando lemos as descrições (e, sobretudo, quando “ouvimos” os diálogos), logo pensamos nos bairros sociais do Porto.
Romance de um só fôlego, Uma Vida Assim-Assim tem uma escrita tão dura, rápida e fluente que, por vezes, quase escutamos o sotaque portuense das inúmeras personagens. A propósito de personagens, convém acrescentar que o Bairro só não é personagem porque há uma personagem, de carne e osso, que se lhe sobrepõe: Cristina Maria. Nascida nos anos 70 do século passado, tem os medos, as paixões e os desejos de uma miúda da sua geração. Bonita e inteligente, já não é baby boomer, quer quebrar o feitiço que o destino lhe traçou e, sobretudo, seguir os conselhos da sua avó (“Tira-a daqui, liberta-a do cheiro a estrugido, a gordura”).
Por entre as metáforas cheias de humor de Uma Vida Assim-Assim ecoa, também, um Portugal extremamente desigual no qual, após mais de quatro décadas de democracia, ainda é difícil escapar às circunstâncias em que se nasceu. E como não pretendemos desvendar o fim do livro, perguntamos apenas: como será o mundo para lá dos muros do Bairro?