“Não conheço outra forma de escrever que não seja tombando entusiasticamente no abismo, mas isso não é necessariamente mau. Quer dizer que saímos do nosso equilíbrio, o tal que nos turva a visão, fazendo-nos estar atentos à queda. E estar atento à queda significa que estamos atentos a nós próprios.” Cláudia R. Sampaio responde assim a Valter Hugo Mãe em O Absurdo É Tolerável, conversa lírica entre antologiada e antologiador nas últimas páginas deste volume, que (des)arruma poemas retirados dos cinco livros anteriores (Os Dias da Corja, A Primeira Urina da Manhã, Ver no Escuro, 1025 mg, Outro Nome para a Solidão), e não só, da poeta e pintora.
Quando se olha muito tempo para o abismo, advertiu Nietzsche, este também olha de volta. E quem conhece a poesia torturada, inclemente e vertiginosa de Cláudia R. Sampaio sempre encontrou aí sinais claríssimos das batalhas quotidianas, da doença bipolar que a afetou, com internamento incluído, do “auto sacrifício para levarmos mais um dia”, e da angústia de viver num mundo sem lugar para “sonhos descabidos”.
Aqui pulsa igualmente uma beleza alucinada, o “milagre insuportável” que é viver, a certeza de que o “amor súbito é a escada para o entendimento”. Um vocabulário ligado a fortes cargas visuais sobre a experiência de estar vivo. À revista Prima, a poeta disse em 2019: “Eu só sei ser brutalmente honesta. Nunca penso no que os outros estão à espera que eu faça. Quando escrevo, não penso sequer na crítica, no público, no leitor. O que me interessa é manter–me fiel à pureza que eu acho que a poesia quer ser. A boa arte é a que se faz porque é necessária.”