Nem pose literata nem rugas de envelhecimento nem grandiloquência nem palavras gastas: regressar à poesia de Fernando Assis Pacheco (1937-1995) é reencontrar um velho amigo (facto literal nos corredores da VISÃO e do JL, já que o grande repórter muitos anos gastou aqui, a martelar na máquina de escrever azul, mesmo já cercada por computadores, artigos que faziam cobiça à melhor literatura). A obra, para usar um palavrão que ele dispensaria, mantém graça, oficina, lucidez e dons de trapezista, mais a ternura memorável e a coloquialidade, assaltada pelas “quebra sintática” e “corruptela ortográfica” apontadas por Pedro Mexia, diretor da coleção que agora publica A Musa Irregular – Edição Aumentada.
Recupera-se um título desassombrado (“imbatível”, rotula-o Mexia), habitado pela história portuguesa e colonial, pelos afetos e desafetos, pela genealogia sentimental que inclui os seis filhos e a companheira, pelas geografias biográficas e pelas aventuras da vida adulta. Mas junta-lhes o livro póstumo Respiração Assistida (2003) e um novo “lote de salvados”, ou seja, um conjunto de inéditos e dispersos: “poemas jocosos“ (em As Belas do Meu Tempo, queixa-se o poeta: “Tanta celulite fora do bikini/ tanto seio farto desmesurado/ ó graça feita melancolia/ as belas do meu tempo estão quadradas)”; palavras de companhia a um presente para a filha Rita; ou um manifesto escrito às primeiras horas do 25 de Abril de 1974 (“E nunca mais a guerra e nunca mais”…).
Marcantes e surpreendentes são os dez poemas-colagem, datados de 1964, criados com recortes de jornais (Diário de Lisboa, Corriere della Sera, The Sunday Times) – um gesto experimentalista e lúdico, combinando “diferentes planos de enunciação”, aponta o poeta Manuel Gusmão no posfácio. Ah, “saudade burra”…