D.R.
Para Álvaro Domingues (Melgaço, 1959), o Google é melhor do que Deus porque responde sempre. Nesta Volta a Portugal, ele está em toda a parte. De norte a sul, sem esquecer as ilhas, os cenários pátrios da “cultura-mundo” cabem num clique, num poema de Rui Lage ou nas deambulações do geógrafo, à cata do País que não mora nos estados de alma. Esse, povoado de mitologias sobre a ruralidade e o urbano, é pura ficção montada na “patologia da perda” e na propaganda salazarista. Álvaro Domingues leva-nos por paisagens que se fundem e atropelam.
A paleta nacional oferece contrastes, diversidades, contradições, ansiedades anilhadas ao telúrico pachorrento, inversões de marcha a caminho de nenhures. Por estradas e quelhos muito ou pouco navegados, desvenda-se, em imagens e textos, o País wikipédico, híbrido, de painéis fotovoltaicos a namorar espigueiros, senhoras de Fátima entre moinhos, traineiras nos telhados, caravelas de cimento e ciclistas em rotundas, por vezes em equilíbrios precários. Na montra humana da condição flutuante e do estatuto social dos nativos desfila o País rumo ao futuro, mais rápido do que a própria sombra. São monumentos, comércios, chinesices, moradias, procissões, campos, tudo em regime de fertilização cruzada.
A geografia é, afinal, um corredor, cheio de correntes de ar, aqui e ali quitada, sem linhagens puras. À beira-mar, nos montes, na curva da estrada, memórias locais e tendências globais harmonizam-se no caos, “no mais límpido português-inglesing”. Este é o País que recusamos chamar nosso por preconceito ou arrogância. Mas nele estamos todos e cabe tudo, como numa Bimby. A nova narrativa da paisagem e as pegadas aí deixadas, sejamos eruditos ou biscateiros, estão neste livro, verdadeiro Google Maps da portugalidade. Como se Fernando Lopes Graça se cruzasse com Quim Barreiros e tivessem meninos.
Depois de A Rua da Estrada (2009) e Vida no Campo (2011), Volta a Portugal (Contraponto, 330 páginas, 19,90 euros) é um retrato do País que atropela, com humor e sagacidade, a mitologia da ruralidade e do urbano