“A propósito de medos: a coragem é uma qualidade de exercício contínuo.”
José Luandino Vieira, 3 de agosto de 1965

Papéis da Prisão – Apontamentos, Diário, Correspondência (1962-1971), um volume com mais de mil páginas, com a chancela da Caminho (€35,90)
Durante o tempo da ditadura, as celas dos presos políticos eram regularmente vasculhadas à procura do que podiam ter escrito. Escrever era proibido. Mal conseguiu organizar o sistema de comunicação dentro da cadeia da PIDE em Luanda, seis meses depois de em 1961 ter sido detido, José Luandino Vieira construiu um caderno com folhas de papel pardo onde foi tomando notas, apontamentos da vida na prisão, conversas com outros presos, colando cartas, bilhetes e recortes de jornais, desenhando figuras e espaços. Chama-lhe “Ontem, hoje, amanhã” e será o primeiro dos 17 cadernos com o mesmo nome que escreverá durante os 12 anos que esteve preso (sete dos quais no Tarrafal), feitos sair clandestinamente da cadeia. O livro que os reúne, Papéis da Prisão – Apontamentos, Diário, Correspondência (1962-1971), surge na sequência do trabalho de edição e fixação de texto de Margarida Calafate Ribeiro, Mónica V. Silva e Roberto Vecchi, em estreita colaboração com o próprio Luandino Vieira, num projeto apoiado pela Gulbenkian e complementado por uma cronologia e uma entrevista ao escritor. Luandino encara a prisão “como o observatório excecional da nação angolana”, revelando-se, nestes cadernos, o seu “projeto de ser escritor” e o “projeto político de ser Angola”, projetos que se entrelaçam de forma indivisível e se manifestam numa dimensão íntima. “O meu ofício é contar estórias”, escreve numa carta ao filho, Xexe, que tinha apenas quatro meses quando o pai foi preso. “Ando a aprender uma muito bonita que te contarei quando voltar para junto de ti: ‘a estória da liberdade’. No dia dos teus 4 anos um grande xi e muitos beijos do Pai.”
